Hyogo
Uma província entre dois mares
Texto: Roberto Maxwell
Cortada pelas montanhas, Hyogo é uma das duas únicas províncias do Japão banhadas pelo Mar Interior de Seto e pelo Mar do Japão. (A outra é Yamaguchi.) Localizada estrategicamente, cresceu como uma espécie de periferia da antiga corte imperial, Kyoto, e como uma extensão da dinâmica Osaka. Mas não ficou à sombra delas. Hyogo tem como capital Kobe, uma das mais importantes cidades portuárias do país, diretamente relacionada à história dos brasileiros no Japão. Foi de seu porto que embarcaram grande parte dos imigrantes japoneses que se aventuraram na América do Sul desde o início do século 20.
Do Porto de Kobe saíam e chegavam não somente pessoas, mas também produtos. O local era escoadouro de boa parte da produção regional, fazendo uma conexão entre a ilha principal do arquipélago e Shikoku, no outro lado do Mar Interior de Seto. Daqui, a cultura do saquê também se difundiu pelo Japão a partir da região de Nada, a maior produtora da bebida em todo o país até os dias de hoje.
Porto de Kobe
Dada a importância da região, não é estranho que fique em Hyogo um dos maiores castelos japoneses. Um dos poucos originais remanescentes, Himeji é a fortificação histórica mais visitada do país e uma das mais belas e mais bem preservadas. Nesta edição, o GUIA JP te leva para um giro na província de Hyogo. Vem com a gente!
Irmã da Cidade Maravilhosa
Kobe é a capital da província de Hyogo e uma das 10 maiores cidades do Japão, com mais de 1,5 milhão de habitantes. Durante muitos séculos, Kobe vem prosperando como cidade portuária. Aliás, foi do porto de Kobe que saiu a primeira leva de imigrantes japoneses com direção ao Brasil, uma história que é contada no Museu da Imigração, um pequeno espaço dentro do Centro de Imigração Internacional e Intercâmbio Cultural. O prédio, inaugurado em 1928, abrigava um órgão de imigração do governo japonês e funcionava como uma espécie de dormitório e centro de treinamento. Candidatos a imigrantes vinham de todas as províncias do Japão, passando pelo local antes de embarcarem nos navios que os levavam para o Brasil e outros países da América do Sul.
Porto de Kobe
Mas a relação de Kobe com a Pátria Canarinho não acaba aí. Espremida entre o mar e a montanha, a capital de Hyogo tem uma geografia semelhante à do Rio de Janeiro. Também compartilhando a história portuária, Kobe e Rio de Janeiro são reconhecidas como cidades-irmãs.
Bem conservada, a região do litoral de Kobe é um convite para o visitante e, também, um local de reflexão. É na área portuária que fica o Museu Memorial do Grande Terremoto de Hanshin-Awaji, construído depois do grande sismo de 1995, o qual matou mais de 5 mil pessoas e deixou como legado leis de construção mais duras. Aberto ao público, o espaço também tem um centro de treinamento, com atividades que ajudam os visitantes a entender o que fazer em caso de catástrofes naturais.
Próximo ao porto, fica o Parque Memorial do Terremoto, onde foram preservadas áreas atingidas pelo sismo de 1995, como rachaduras no chão e uma luminária, ainda em funcionamento, inclinada entre os pedaços de asfalto. Também ali fica a tag BE KOBE, um dos pontos mais instagramáveis da cidade.
Parque Memorial do Terremoto
A poucos quilômetros da área portuária, fica o centro de Kobe, no entorno da estação de Sannomiya. É nesta região que ficam os principais agitos da cidade, em especial no quesito gastronomia. Por causa do porto, Kobe se tornou atrativa para os milhares de estrangeiros que vieram para o Japão a negócios com a abertura do país, no Período Meiji (1868 – 1912). Comunidades de países europeus e asiáticos se formaram na cidade e isso se reflete na gastronomia. Não são poucos os cafés em estilo anglo-saxão e restaurantes chineses.
Mas o grande assunto gastronômico da capital de Hyogo é o Kobe Beef, a mais conhecida marca de wagyu, com sua carne marmorizada e extremamente saborosa. Com mais de 200 anos de isolamento, o país ficou décadas sem importar gado, desenvolvendo raças locais próprias. Com a Restauração Meiji, animais vindos principalmente da Europa foram trazidos para o país e, do cuidadoso cruzamento, surgiu o wagyu. Apesar da confusão mundo afora, somente a carne bovina da raça tajima, produzida na província de Hyogo, pode ser chamada de Kobe Beef. Além disso, existem outras especificações técnicas que fazem da marca rara, e, por isso, cara. Em Kobe, vários restaurantes servem a iguaria, de simples casas de lámen até sofisticados estabelecimentos de teppan-yaki, a carne preparada na chapa.
A origem do saquê
Nada é o nome da região em que você pode aprender tudo — ou quase tudo — sobre a história do saquê no Japão. A área, que fica dividida entre as províncias de Hyogo e Osaka, é considerada o berço desta bebida fermentada, considerada a cara do país. Nada também é a maior área produtora de saquê do Japão, por isso vale muito a pena a visita.
Uma conjunção de fatores é responsável por tanto sucesso. No século 15, o saquê de Nada era reconhecido como superior ao das demais regiões do Japão. Registros mostram que, na tentativa de entender a razão disso, os próprios fabricantes faziam experimentos, como trocar o arroz e até o mestre de produção. O resultado, no entanto, era sempre o mesmo. Independentemente das condições, o saquê de Nada era melhor que todo o resto.
Kobe Konan Muko no Sato
Foi só no século 19 que uma coincidência encontrou a resposta tão procurada. A família Yamamura tinha duas fábricas em localidades diferentes da mesma região: Nishinomiya e Uozaki. Os produtores perceberam que o saquê de Nishinomiya era infinitamente superior ao de Uozaki e, um belo dia, a ficha caiu. Eles decidiram levar água de Nishinomiya para a outra fábrica e bingo! A diferença estava na fonte! A água ganhou o nome de Miyamizu — a partir do nome da região mas que, por coincidência, também pode ser traduzido como “água sagrada”.
Mas não era só isso. A água, claro, garantia o bom saquê, mas era o porto que fazia com que a bebida chegasse a outras regiões do país, em especial Edo, que já no século 17, era a maior área urbanizada do mundo. Assim, o saquê de Nada deitou e rolou como o melhor do Japão, até o surgimento de áreas produtoras em regiões mais frias do país.
Diversas sakagura — fábricas de saquê, em japonês — podem ser visitadas na região. As maiores possuem museus que contam a sua história e áreas para a degustação da bebida. Como muitas são bem próximas entre si, é um passeio que pode ser feito a pé. Além das fábricas de saquê, vale visitar também o Kobe Konan Muko no Sato, um espaço voltado para alimentos produzidos com o sake kasu, a borra do saquê. Além da loja e de um pequeno museu, o local tem restaurantes onde se pode provar in loco as iguarias.
Fuga para as montanhas
Com uma geografia acidentada como a do Rio de Janeiro, Kobe é uma cidade “surf & turf”. Em outras palavras, pode ser aproveitada no litoral e na montanha, de onde é possível ter uma vista privilegiada de Kobe e de Osaka. Três serviços de teleférico partem de locais diferentes e levam alguns dos picos da região. O Monte Rokko é um deles. No entorno da estação, fica um jardim botânico, um museu de caixinhas de música e um complexo com restaurantes e lojas. Dali, também é possível pegar outro teleférico para Arima Onsen, uma estância de águas termais com mais de 1000 anos de história, muito frequentada pelos locais.
Arima Onsen
Arima tem dois tipos de águas termais. A Kinsen (algo como “água dourada”) tem cor acobreada por ser rica em ferro. É considerada boa para problemas na pele e dores musculares. Já a Ginsen (água prateada) é rica em rádio e carbonato e costuma ser procurada para quem tem problemas musculares e nas juntas. O visitante não precisa ficar hospedado em diferentes ryokan para conhecer os dois tipos de banho. Existem dois estabelecimentos públicos no local, cada um especializado numa das águas termais da localidade.
Província dos dois castelos
Apesar da grandeza de Kobe, não há dúvidas de que o grande cartão postal de Hyogo é o Castelo de Himeji, considerado por muitos a mais bela das 12 fortificações em estado original ainda existentes no Japão. Com a retomada do poder pela corte imperial, que deu o início à Era Meiji, uma das mais drásticas medidas do novo governante foi a destruição dos castelos, símbolos do xogunato, o regime militar. A decisão seria, anos mais tarde, motivo de arrependimento em diversas regiões do país, que acabaram reconstruindo as fortificações, em especial por conta do apelo turístico. Himeji não sofreu o mesmo destino por pouco.
Localizada a cerca de 60 km de Kobe, Himeji também é uma cidade de vocação portuária. Com seus quase 500 mil habitantes, é cidade-irmã da capital do estado do Paraná, Curitiba. Seu castelo era um dos maiores do país no século 19, quando foi abandonado. Uma parte da fortificação, inclusive, tinha sido derrubada para se tornar uma espécie de quartel para o novo exército imperial. Foi um coronel, no entanto, que impediu que a construção inteira viesse abaixo. Nakamura Shigeto fez forte campanha entre os residentes e governantes para que se preservasse o castelo, na época pertencente a um particular que o tinha comprado por cerca de 200 mil ienes, nos valores de hoje.
Castelo de Himeji
Na Segunda Guerra Mundial, a cidade de Himeji foi fortemente bombardeada pelas forças Aliadas, por causa de suas indústrias de base e infraestrutura. O castelo sobreviveu, mesmo depois de uma bomba cair sobre ele. O artefato acabou não explodindo. Nem mesmo o terremoto de 1995, o qual derrubou milhares de construções na província, foi capaz de abalar sua estrutura de mais de 400 anos. Recentemente renovado, o Castelo da Garça segue imponente e gracioso como o animal que lhe deu o nome.
A cerca de 1 hora de trem de Himeji fica a base da montanha que um dia recebeu o Castelo de Takeda, um dos muitos que não tiveram a mesma sorte que seu colega mais famoso. Mas a ruína do chamado Castelo Flutuante — por causa de sua posição acima das nuvens — começou bem antes do Período Meiji. Takeda foi construído em 1411 e conquistado por Toyotomi Hideyoshi — um dos unificadores do Japão — na famosa Batalha de Sekigahara, no ano de 1600. Embora não tenha sido destruído na luta, o castelo foi abandonado e perdeu a guerra contra o maior dos inimigos: o tempo. Nenhum prédio ficou de pé para contar a história nos dias de hoje.
Castelo de Takeda
Nos anos 1970, as bases da fortificação foram restauradas e o platô onde o castelo ficava localizado começou a receber visitantes, todos encantados com a vista das montanhas e da cidade. Além disso, é possível ver o castelo coberto de nuvens nos meses de outubro e novembro, ao nascer do sol. As melhores vistas ficam na localidade conhecida como Ritsuunkyo, do outro lado do vale, em pontos que ficam a cerca de 40 minutos de caminhada a partir do estacionamento destinado aos visitantes.
Museu Memorial do Grande Terremoto de Hanshin-Awaji
Hyogo-ken Kobe-shi Chuo-ku Wakino Hamakaigandori 1-5-2.
Valor: ¥600.
https://goo.gl/maps/ZFuZASYrTXFktrFG9
Parque Memorial do Terremoto
Hyogo-ken Kobe-shi Chuo-ku Hatoba-cho 2.
https://goo.gl/maps/KHmCWwsTTy3onSMm7
Kobe Konan Muko no Sato
Hyogo-ken Kobe-shi Higashinada-ku Mikagetsuka-machi 4-4-8.
https://goo.gl/maps/a5QHpusoKais8TRi6
Castelo de Himeji
Hyogo-ken Himeji-shi Honmachi 68.
Vaçor: ¥1000 (adultos) e ¥300 (estudantes até o Ensino Médio).
https://goo.gl/maps/AN7mzjDo3UkPykFVA
Castelo de Takeda
Hyogo-ken Asago-shi Wadayama-cho Takeda Kojosan 169.
Valor: ¥500 (adultos), crianças até o ensino fundamental não pagam.
https://goo.gl/maps/qAo589BDDAs6fatu9