O Florilège é um dos restaurantes mais bem cotados de Tóquio. Com duas estrelas Michelin, é o 3º colocado na lista Asia’s 50 Best Restaurants e o 39º na Word’s 50, dentre outros reconhecimentos que a casa e seu criador Kawate Hiroyasu coleciona mundo a fora. Neste momento, o almoço começa na casa dos 70 dólares (menu com 7 pratos) e o jantar pula para 136 (11 pratos).
Não preciso dizer que o espaço de um estabelecimento tão reconhecido deva ser um primor. Mas o Florilège vai além, com sua cozinha aberta e os clientes dispostos em U num balcão que muitos críticos chamam, sem exagero, de palco. Ter uma vista tão devassada do processo de produção em um restaurante é raro. E é fenomenal. Em especial quando estamos falando de uma cozinha que funciona quase que como uma orquestra. Todos os cozinheiros em uníssono. Abusando das metáforas artísticas, um verdadeiro balé.
Como é de se esperar, os pratos chegam à mesa impecáveis. O almoço abre com um milho jovem servido na folhagem da espiga e que lembra muito um pamonha. A natureza sabe bem como servir seus “produtos” é um chef inteligente sabe aproveitar isso. O menu segue com a lula servida em dois formatos: marinada e empanada. No primeiro, o corte é tão perfeito, que a textura parecia gelatinosa de tão suculenta. No empanado, a lula já veio com um pouco mais de firmeza, mas o empanado de farinha de alho bem fina trouxe bem o contraste de sabores e texturas.
Uma parte do menu é dedicado à alguma questão relacionada à sustentabilidade e, nesta temporada, o chef Kawate deu destaque à carne de vacas de idade, um movimento de valorização de um tipo de produto que vem ocorrendo no Brasil, também. A carne das vacas que já deram cria costuma ser descartada do consumo humano e vira ração animal. No Florilège, elas ganham cortes finos, no estilo sukiyaki, e são cozidas lentamente num delicioso consomê que vem ao prato sobre um maravilhoso purê. Tudo rico em umami — mas com uma pitada de frescor e acidez no dashi de ervas — e uma carne saborosa com ponto e textura fenomenais.
Os cogumelos são o destaque do prato seguinte que é uma versão do chawanmushi, um pudim salgado de ovos muito comum nos banquetes japoneses. Aqui também o umami domina, com os diversos cogumelos — incluindo trufas — ganhando reforço do queijo parmesão.
Num dado momento, a mesa recebe a visita de um pato inteiro, com a superfície bem dourada, que pede licença para ser servido de forma compartilhada entre os comensais. Ninguém precisa se preocupar em cortar a ave, que chega à mesa em outra louça impecável, sobre uma massa no ponto e com um maravilhoso molho à base de vinho tinto. Já sabemos a essa altura que o almoço está perto do final para quem está no menu mais curto (¥7500) e, honestamente, bate forte o arrependimento de não ter logo chutado o pau da barraca e escolhido o meu mais caro (¥15 mil).
A sobremesa vem em três partes, começando com um delicioso creme de maracujá, fruta da estação. Belo e servido na casca, com uma bela espuma por cima. Depois, um toffee de caramelo chega com nibs de cacau da Amazônia peruana e sorvete de creme. Para encerrar, duas singelas cerejas e um sorriso.
Um banquete regado a saquê — mais um ponto super favorável para mim que cada vez menos tenho paciência para a petulância intrusiva dos vinhos. Minha sensação é de ter tido uma leve refeição. Nenhum sabor fica ruminando na boca. Tudo singelo, delicado, na medida.
Pelo nome e pela descrição dos pratos, dá pra sacar que a influência da casa é francesa. Vou pegar emprestada a fala dos chefs Luke Burgess e Michael Ryan que escreveram o livro “Only in Tokyo: Two Chefs, 24 Hours, The Ultimate Food City” e citaram o Florilège (e vários outros restaurantes que eu amo). “O restaurante se diz francês mas nunca vimos uma comida dessas na França”, dizem eles. Eu nunca fui à Terra dos Gauleses mas, no Florilège, me senti exatamente onde eu estava: no Japão, comendo a melhor comida que um chef japonês possa ter produzido.
SERVIÇO
Florilège
Tokyo-to Shibuya-ku Jingumae 2-5-4 B1F [mapa]
www.aoyama-florilege.jp