Quando o Tsuta recebeu a primeira estrela Michelin dedicada a um restaurante de lámen, as reações foram diversas. Por um lado, os puristas disseram que o guia estava decadente e, portanto, buscando meios de chamar a atenção para um negócio que via sua relevância indo por água abaixo, em especial por conta dos mecanismos de avaliação de restaurantes como o Yelp. Mas teve gente que viu um movimento de deselitização que já vinha colocando em cheque a pompa e a circustância que envolvem a alta gastronomia. No ano seguinte, os críticos e comensais mais dedicados estavam ansiosos para saber se a casa perderia sua estrela e ocorreu algo ainda mais inesperado: não só o Tsuta manteve sua estrela como uma nova entrada foi registrada, com o Sosakumen Kobo Nakiryu.
Isso foi em 2017, faz uns anos que o Tsuta nem é citado no Guia mas o Nakiryu segue firme e forte, não só com a estrela mas, também, no coração dos fãs. Minha visita foi no início da tarde de um domingo chuvoso. A fila estava “dobrando o quarteirão” o que, no caso, quer dizer que se quebrava na esquina e seguia do outro da rua. Como sempre despreparado para intempéries, fui socorrido pelo trabalhador do restaurante que vinha constantemente anotar quantas pessoas estavam na fila. Ele me trouxe um elegante guarda-chuva preto. Omotenashi que diz, né?
Depois de quase uma hora na fila, pude me sentar no balcão do restaurante. A equipe trabalha em silêncio, embalada por uma estranhíssima trilha de versões bossa nova do Guns’n’Roses. (Bossa nova, Guns’n’Roses… Juro que fiquei imaginando o Johnny Massaro vivendo o Exterminador do Futuro numa versão meio Ipanema, meio Chapéu Mangueira. )
Trilhas à parte, o lámen que chega à mesa é à prova de distrações. O prato-assinatura da casa é o Tantanmen, um lámen picante. Não sou exatamente um fã de pimentas, então fui de Shio, sal, na versão “tokusei”, ou seja, com todas as coberturas possíveis. Além disso, pedi o char siu gohan, arroz com o porco marinado da casa. Na primeira tragada da sopa já é possível entender porque o Nakiryu é um restaurante de tanto sucesso. O umami é predominante neste lámen com base em mariscos e outros frutos do mar. Leve mas com personalidade. A massa, finíssima, também é um primor, do ponto ao paladar. Daí entram as coberturas que são o ponto forte do prato. O porco marinado com um ponto de cozimento sensacional, resistência à mordida sem ser duro e um sabor que nos leva à China. Do mesmo modo, o wonton de camarão com o recheio muito bem preparado. Ali dentro daquela simples massa recheada estava um camarão que poderia muito bem ser parte de um prato de qualquer restaurante de alta gastronomia.
Essa riqueza de sabores e detalhes explica bem o fato do Nakiryu ter recebido — e mantido — a estrela Michelin e, por mais que o guia hoje esteja sujeito a muito mais críticas do que antes, não se pode negar sua importância dentro da indústria e como referência para pessoas que não moram no Japão e não têm acesso às excelentes e mega especializadas publicações de gastronomia, com críticos que não só atuam no país como conhecem a fundo a cena de restaurantes de Tóquio, uma tarefa hercúlea. Para vocês terem uma ideia, o Nakiryu até aparece nas listas da TRY, por exemplo, revista que elenca os melhores lámens de cada ano por categoria. Mas nem de longe a casa é unanimidade. No fundo, as listas dizem algo sobre a cena, mas dizem muito mais sobre si mesmas. Ainda assim, são uma excelente curadoria que não deve ser desprezada. No mais, para mim foi uma experiência imensa ter provado os 20 lámens destacados no guia. Hoje posso dizer que conheço um pouco melhor o panorama toquiota deste prato que não tem glamour, mas é uma genuína representação da gastronomia popular contemporânea da maior megalópole do planeta.
SERVIÇO
Sosakumen Kobo Nakiryu
Tokyo-to Toshima-ku Minamiotsuka 2−34−4 SKYMinamiotsuka [mapa]