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Bebendo saquê em Nikko

Descubra como provar o fermentado nacional japonês na cidade que é Patrimônio da Humanidade

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Garrafas com tampa flip top são um charme adicional dos saquês da Katayama Shuzo

Um dos bate e volta mais populares por quem visita Tóquio, Nikko é conhecido pelos templos e santuários tombados pela UNESCO em 1999. De fato, espaços como o Nikko Toshogu, santuário xintoísta dedicado ao xogum Tokugawa Ieyasu, são especiais em seu contexto histórico e arquitetônico, além de estarem completamente integrados à natureza em seu entorno.

Pagoda do Nikko Toshogu é Patrimônio da Humanidade (foto: Roberto Maxwell)

Mas quem pretende variar a temática do passeio pode incluir no roteiro uma visita a uma fábrica de saquê e aproveitar para aprender mais sobre essa bebida que anda ganhando destaque nas rodas gastronômicas mundo a fora. Nikko é uma região montanhosa, com um regime de precipitação que faz com que exista água mesmo o ano inteiro: no inverno, a neve se acumula e vai derretendo lentamente durante a primavera e penetrando no solo, enquanto no verão, as chuvas abastecem os mananciais. Assim, a região tem água de excelente qualidade para abastecer as duas fábricas de saquê que abrem suas portas ao público o ano inteiro e estão preparadas para receber visitantes estrangeiros. Mas antes de apresentá-las, que tal falarmos um pouquinho sobre o saquê?

Presente dos deuses

“Quase toda fábrica de saquê tem um desses”, conta Tomoyuki Katayama, 52, presidente da fábrica de saquê que leva o nome de sua família, apontando para um oratório afixado em uma parede da área de produção. A relação da bebida milenar com o xintoísmo, as práticas religiosas nativas do Japão, é muito antiga. Nas lendas japonesas, conta-se que o deus Susano-o ensinou o ser humano a fazer o saquê para ajudá-lo a derrotar um grande dragão.

Para ilustrar a relação entre fé e saquê para os estrangeiros que visitam a Watanabe Sahei Shoten, o presidente da empresa Yasuhiro Watanabe, 52, se lembra da cena do filme Your Name (2016) em que a protagonista Mitsuha produz a bebida junto com a avó e a irmã e a usa como oferenda no túmulo de seu avô. Na premiada película, a menina mastiga o arroz e o cospe num recipiente para fazer o que é conhecido como kuchikamizake. “Fique tranquilo que o nosso saquê não é feito assim”, Watanabe se apressa para explicar, com um sorriso maroto no rosto. “Mas o princípio é o mesmo”, continua. “O arroz é fermentado junto com água e, neste processo, se torna álcool”, explica.

Normalmente, o saquê tem teor alcoólico entre 14 e 16%, considerado alto para uma bebida fermentada. O vinho fica em média nos 16% e a cerveja, em 5%. Ainda assim, muitos saquês costumam ser suaves e aromáticos. Tudo depende do modo de produção.

Saquês dos tipos ginjo e daiginjo (lê-se “guinjô” e “daiguinjô”) são feitos com arroz altamente polido e, por isso, costumam trazem aromas frutados e ser elegantes no paladar. Quem prefere sentir mais o sabor do cereal, pode optar pelos saquês do tipo junmai — puro arroz. Mas não para por aí. A bebida é muito versátil e os produtores não têm poupado esforços para oferecer perfis que agradem a todo tipo de público.

Alto teor alcoólico

Imaichi fica a poucos minutos de distância das duas principais estações ferroviárias de Nikko. No Periodo Edo (1608-1868), a área foi um importante entroncamento de estradas que levavam ao norte e ao centro do Japão. Duas fábricas de saquê se firmaram em Imaichi, com propostas de produção bem diferentes entre si.

Fundada em 1880, a Katayama Shuzo fica à margem da Rodovia 121, estrada que leva à estância de águas termais de Kinugawa Onsen. Na porta de entrada, o sugidama (lê-se “suguí-damá”) anuncia que a produção do ano já está em processo de maturação. O objeto é uma bola feita de galhos e folhas de cedro que fica suspensa no teto e à vista de quem passa na frente da fábrica. Quando colocada, em geral assim que a primeira leva de saquê está pronta para ser engarrafada, a bola tem coloração verde. Isso costuma ocorrer em fevereiro ou março. Nessa época, a bebida é, em grande parte, já foi pasteurizada e reservada para maturar por cerca de um ano. O restante é engarrafado e vendido como namazake, um tipo de saquê fresco e que deve ser armazenado em geladeira.

O antigo prédio de madeira da fábrica é uma viagem ao passado. “Somos uma pequena produtora, não estamos em prateleiras de grandes lojas. Vendemos somente na fábrica e estamos satisfeitos assim”, conta o Seu Tomoyuki, que é a sétima geração de produtores de saquê da Katayama. Ele, que trabalha na produção desde os 16 anos, cresceu vendo os avós e os pais produzindo saquê. “Quando eu era jovem, não queria trabalhar na fábrica”, relembra o Seu Tomoyuki, que foi morar em Tóquio para, segundo ele, “estudar a vida”. Bem-humorado, ele acabou assumindo a frente os negócios da família e hoje toca o negócio junto com a mãe, Kazuko, 77

Antiga prensa ainda é utilizada na fábrica (foto: Roberto Maxwell)
Fora do período de produção, uma das principais atividades na fábrica é a visitação guiada. Quase sempre, o Seu Tomoyuki atende ele mesmo os visitantes. Para conseguir explicar o processo de preparo do saquê aos estrangeiros, ele comprou um pequeno aparelho de tradução, que carrega no pescoço. A maquininha é útil mesmo para quem é fluente em japonês, já que palavras técnicas costumam ser difíceis de entender.

Seu Tomoyuki mostra o pequeno espaço da fábrica com orgulho e dedicação, em especial pela prensa, uma máquina pesada que extrai o saquê do mosto. A Katayama Shuzo usa uma prensa no estilo fune, na qual os sacos de pano com o mosto são colocados em um tanque comprido e pressionados de cima para baixo. A prensa do Seu Tomoyuki tem mais de 60 anos e é uma raridade. Ela extrai o saquê de forma lenta, o que traz um sabor especial para o produto.

A segunda parte da visita é a degustação, onde se pode conhecer as características da produção da casa. A Katayama tem como especialidade a produção de saquês do tipo genshu (lê-se ‘genshu’). Nesse estilo, a bebida é engarrafada sem que seja diluída em água, como é a norma. Assim, os saquês da casa têm cerca de 19% de teor alcoólico e tendem a ser mais secos. Além disso, a fábrica engarrafa seus produtos em charmosos vasilhames com tampas flip top, embora os saquês não sejam gaseificados. Ah, não deixe de levar para casa o saboroso bolo de saquê da Katayama. Foi uma receita criada pelos pais do Seu Tomoyuki. “Mesmo quem não bebe pode levar para casa o sabor da nossa fábrica”, diz ele.

Puro arroz

A menos de 10 minutos de distância da Katayama, bem em frente à parada de estrada Michi-no-eki Nikko, fica a Watanabe Sahei Shoten. Aqui, o sugidama — a bola de cedro que indica a produção de saquê novo — fica suspensa no telhado do segundo andar da construção de madeira. Numa espécie de puxadinho ao lado do prédio principal, uma torneira jorra água ininterruptamente. Quem nunca visitou uma sakagura pode achar que alguém esqueceu a bica aberta mas, na verdade, este é o shikomimizu, a água da produção do saquê, que vem de alguma fonte próxima e é deixada à disposição dos visitantes que podem provar sua pureza e até levar um pouco para casa.

Quem nos recebe é o Seu Yasuhiro, também da sétima geração da família que produz saquê na Watanabe, fundada em 1842. Em inglês, ele conta que está preparado para voltar a receber em sua fábrica os turistas que passeiam pelos Patrimônios da Humanidade de Nikko. Na visita guiada, ele mostra com detalhes o processo de produção do saquê. Para facilitar o entendimento, o Seu Yasuhiro colou nas paredes do espaço de produção alguns cartazes, com as explicações em japonês e inglês.

Na degustação, a gente aprende que a Watanabe foi pioneira na retomada da produção de saquês do tipo junmai, os “puro arroz”. Originalmente, todos os saquês eram produzidos dessa maneira. Porém, durante a Segunda Guerra Mundial, o arroz ficou escasso e os produtores de saquê foram obrigados a diminuir quantidade do cereal na produção da bebida. Assim, se tornou norma a adição de álcool etílico para finalizar o produto.

Barris para envelhecimento de destilados (foto: Roberto Maxwell)

Mesmo com a situação do arroz já normalizada, muitos produtores mantiveram a técnica. No entanto, nos anos 1970, o pai do Seu Yasuhiro resolveu fazer diferente e resgatar a forma antiga de produzir. “O junmai é o saquê mais autentico”, afirma. Quando a bebida é feita dessa forma, tende a ter mais umami, o quinto sabor que realça os demais sabores do saquê, além, claro, da presença mais marcante do sabor do cereal.

Além do saquê, a Watanabe produz, também, o shochu, um destilado que pode ser feito de diversas matérias-primas. Na fábrica do Seu Yasuhiro os shochus são de saquê e de borra de saquê. Uma especialidade da casa: shochus envelhecidos em barril ou vaso de cerâmica. Prove se você gosta de sabores alcoólicos mais fortes.

Na loja, o Seu Yasuhiro vende mais que saquês. Ele oferece uma série de produtos que podem servir como excelentes lembrancinhas de viagem. Um deles é o Jogo do Saquê, composto de três copos de formato nada usual é um pião de faces, que representam os copos e a opção de passar a vez. Os copos, com caras de personagens folclóricos, apresentam desafios na hora de beber. Jogue com moderação.

SERVIÇO

Katayama Shuzo
Tochigi-ken Nikko-shi Segawa 146-2
visitas guiadas gratuitas de 10 às 12 horas ou das 13 às 16 horas, para até 40 pessoas (exceto nos feriados do Obon e do Ano Novo)
reserva recomendada
tel.: 0288-21-0039
www.kashiwazakari.com (em inglês)

Watanabe Sahei Shoten
Tochigi-ken Nikko-shi Imaichi 450
visitas guiadas gratuitas de 9 às 12 horas ou das 13 às 16 horas, para grupos de 2 até 40 pessoas
reserva obrigatória, guia em inglês disponível
tel.: 0288-21-0007
www.watanabesahei.co.jp (em japonês)

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