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Yamaguchi: pontes entre o Japão e o mundo

A pequena província no extremo oeste de Honshu guarda tesouros que poucos conhecem

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Kintaikyo, uma das mais belas pontes do Japão (foto: Pixta)

O Japão é um país insular formado por quatro grandes ilhas e centenas de ilhotas. Honshu é a maior delas e, seguindo na direção oeste, a província de Yamaguchi fica na ponta. Por causa da sua posição estratégica é possível imaginar a sua importância histórica. Bombardeada várias vezes nas guerras civis japonesas, Yamaguchi foi essencial na entrada do país na Modernidade, com o fim do xogunato e, por consequência, do período feudal. Mas antes disso, a proximidade com a Península Coreana e com a ilha de Kyushu fez de Yamaguchi a porta de entrada para a parte mais importante do território japonês. Saímos em uma viagem por Yamaguchi, com dicas preciosas para você conhecer esta província rica em história e belezas naturais. Vem com a gente!

Portais xintoístas à beira-mar: cartão postal de Yamaguchi (foto: Pixta)

Natureza e história em Iwakuni

Iwakuni era a sede de um antigo feudo que foi bastante próspero durante os Períodos Edo e Meiji. Por isso, a cidade é repleta de pontos históricos importantes e de extrema elegância. O mais conhecido deles é, sem dúvida, a Kintaikyo — Ponte Kintai — considerada uma das três pontes históricas mais belas do Japão. Formada por cinco arcos sustentados por pilares de pedra, a construção original foi inaugurada em 1673 e seguiu de pé até 1950, quando foi destruída pela força das águas do Rio Nishiki infladas por um tufão. A própria população local, que lutou bravamente para salvar a obra original, reconstruiu a ponte em três anos.

A Kintaikyo é apenas a entrada para a área histórica mais preservada da cidade. Do outro lado da ponte, o visitante é recebido por uma estátua de Kikkawa Hiroyoshi, o terceiro senhor feudal do domínio de Iwakuni, responsável pela construção da ponte original. Este ponto é a entrada do Parque Kikko, área onde ficava a residência do clã que comandava a região e que, nos dias de hoje, abriga diversas atrações que recontam a história e a cultura local.

Três museus fazem parte do complexo. O Choko-kan apresenta artigos que mostram a vida em Iwakuni entre os séculos 16 e 19, além de obras de arte de diversas épocas. Já o Kikkawa é um museu dedicado à história da família que dominou a região até a Restauração Meiji, em 1868. Documentos, espadas e outras armas fazem parte do acervo. Já o Museu de Arte de Iwakuni também apresenta instrumentos de guerra, além de objetos domésticos dos senhores feudais da área.

Serpente sagrada

Mas, dentre os museus históricos, um se destaca pela excentricidade. É o White Snake Museum, dedicado a uma subespécie de cobra considerada sagrada na região. Encontrada em boa parte do arquipélago japonês, a cobra-rateira costumava ser encontrada em áreas próximas aos silos de arroz, onde ratos se escondem. Conta a história que, a cerca de 400 anos, uma versão albina da cobra foi encontrada na região. Adotada pelos donos, a cobra passou a mutação adiante, enquanto foi transformada em objeto de adoração pelos locais. Elas são dóceis e úteis no controle das ninhadas de rato. No museu, o visitante pode conhecer não só a história da relação dos locais com o animal como, também, o réptil de pele perolada e olhos de rubi em pessoa.

Além dos museus, existem na área do parque e do seu entorno duas antigas residências de samurais. A Mekata fica bem próxima ao White Snake Museum e, embora a entrada na casa não seja permitida, é possível visitar o quintal e ver a construção por fora. Já da Residência Kagawa, ainda hoje ocupada, pode-se ver o Nagayamon, um portão bem preservado. Outro ponto de atração é o Santuário Kikko, um espaço xintoísta datado de 1884 e construído para abrigar os espíritos dos membros da família Kikkawa.

Cobra albina, considerada sagrada na região (foto: Pixta)

Nos fundos do Parque Kikko fica um teleférico que leva até a área do antigo Castelo de Iwakuni. Construída no topo do Monte Shiroyama, a fortificação ficava numa área que parece ter sido feita pela natureza para a autodefesa. Além de ficar a 200 metros acima do nível da cidade, o local é protegido pelos meandros do Rio Nishiki, que atua como uma espécie de fosso. Mesmo assim, o castelo não durou muito. Apenas sete anos depois de ter ficado pronto — ou seja, em 1615 —, a construção teve de ser destruída depois que o xogum Tokugawa Ieyasu baixou um decreto proibindo a existência de mais de um castelo no mesmo domínio (Suo, que incluía Iwakuni, acabou tendo como base o Castelo de Hagi, em outra parte da atual província de Yamaguchi).

A construção ganhou vida novamente em 1962 e se tornou um museu que conta a história do castelo e da região, além de expor itens da época como espadas e armaduras. Tudo isso, claro, com a belíssima vista do Vale do Rio Nishiki sob os olhos.

Castelo de Iwakuni: graça e beleza (foto: Pixta)

Sushi especial

Na volta do passeio pela área do Parque Kikko, vale a pena dar uma parada para provar uma iguaria: o iwakunizushi. Trata-se de uma espécie de sushi prensado (oshizushi, em japonês), feito numa espécie de forma retangular e em camadas, como um bolo de aniversário. Muito antes do sushi de peixe fresco ser aclamado mundo afora, a iguaria era uma forma de preservar o peixe. Era uma época em que não havia geladeira e não desperdiçar alimentos era um ato de criatividade.

Diz-se que o iwakunizushi teria surgido no início do século 16. Uma de suas origens remete ao fundador do clã que comandava a área, Yoshikawa Hiroie, que teria ordenado a produção de uma comida com arroz, legumes e peixes que pudesse ser levada como ração para o front de batalha. Outra versão da origem vai até o Santuário Shinoo Hachiman, que organiza um festival na região a cada 33 anos e decretava que, na data, nenhuma das casas poderia produzir fumaça, inclusive para cozinhar. Assim, os moradores teriam criado o sushi.

O preparo é feito em formas de madeira com cada camada de arroz sendo alternada por outra camada feita com pétalas de crisântemo, raiz de lótus, omelete em tiras e outros recheios. Na hora do serviço, o sushi é partido em fatias pequenas individuais. Um dos locais mais recomendados para provar a iguaria é o Hangetsuan, uma pousada-restaurante não muito distante da Kintaikyo.

Iwakuni também é o lar de cinco fábricas de saquê, dentre elas, a Asahi Shuzo, que produz os rótulos Dassai, um dos mais conhecidos dentro e fora do Japão. Saquês locais são encontrados em diversos restaurantes, além de lojas de souvenir na estação e no aeroporto de Iwakuni.

Iwakunizushi: iguaria da região

Kyoto do oeste

Homônima capital da província, a cidade de Yamaguchi foi fundada no século 14 tendo Kyoto como modelo. A charmosa cidade tem como cartão postal o Rurikoji, um templo budista fundado em 1442. Da estação central da cidade até o local são apenas 2,5 km de distância, que podem ser feitos a pé ou de bicicleta. A magrela pode ser alugada na estação de Yamaguchi.

No caminho, o visitante pode visitar a Igreja Memorial de São Francisco Xavier, dedicada a preservar a história do missionário jesuíta que passou pelo Japão em meados do século 16. Em 1550, Xavier fez uma viagem entre Kagoshima e Kyoto e passou alguns meses em Yamaguchi. Diz-se que a cidade foi o primeiro local onde se celebrou o Natal nas ilhas japonesas. O atual prédio é datado de 1998 e tem vitrais coloridos e um belíssimo órgão. A igreja também tem serviços religiosos regulares, com a missa semanal sendo realizada todos os domingos às 9:30 e às 11 horas da manhã. Devido ao coronavírus, somente 60 pessoas por vez podem assistir ao culto.

Alguns metros adiante, em frente ao prédio do governo provincial de Yamaguchi, fica o Yamaguchi Jingu, um santuário xintoísta feito como uma espécie de versão em miniatura do Ise Jingu, um dos espaços sagrados mais importantes do Japão. As três simples construções ficam numa área arborizada que contém, também, as ruínas do antigo Castelo de Konomine, além de outros espaços sagrados. A trilha até o alto da colina onde ficava o observatório do castelo leva cerca de 90 minutos a pé.

Seguindo a rota, pode-se chegar até o Parque Kozan, onde fica o Rurikoji e sua belíssima pagoda de cinco pavimentos, tombada como Patrimônio Nacional. A construção de quase 600 anos é considerada uma das três belas torres do seu estilo no Japão. Aliás, no mesmo parque onde se localiza o templo fica um museu especializado em réplicas de pagodas de todo o país.

A província de Yamaguchi teve papel fundamental na derrubada do regime feudal e no restabelecimento do poder imperial, momento da história japonesa conhecido como Restauração Meiji. Dentro do Parque Kozan está um dos locais que contam um pouco dessa história. É a Chinryutei, um espaço em que os rebeldes fingiam estar praticando a cerimônia do chá, mas, na verdade, discutiam em segredo o fim do regime. O espaço é aberto ao público e uma pequena exposição sobre os “inconfidentes japoneses” pode ser vista.

Quem quiser terminar a visita em grande estilo pode fechar o dia passeando pelos banhos de águas termais de Yuda Onsen, que ficam a uma estação de distância de Yamaguchi. Diz a lenda que uma raposa branca que se machucou na floresta procurou refúgio num lugar onde havia um banho de água termal. Ao entrar na água, a raposa ficou curada e, ao mesmo tempo, transferiu seus poderes para a água local que se tornou sagrada.

No bairro, onde o animalzinho que é considerado mensageiro dos deuses é lembrado a todo momento, além dos locais onde você pode efetivamente se aboletar na água quentinha, existem vários escalda-pés que podem ser usados gratuitamente. O Kitsune no Ashi Ato reúne três deles, um dentro de um café em que você pode comer uma coisinha ou para provar saquês produzidos na região. Um luxo!

Raposa: mensageira dos deuses (foto: Pixta)

Outros lugares imperdíveis

A cidade de Mine é uma área especial. O relevo cárstico da área conhecida como Akiyoshidai — formado por rochas calcárias, mais susceptíveis à corrosão química — gera uma série de formações geológicas numa escala não vista em outras partes do Japão. O platô onde se pode fazer caminhadas era, na verdade, uma gigantesca colônia de corais que estava submersa há 300 milhões de anos.

Aqui fica o Akiyoshido, a maior e mais longa caverna calcária do Japão, com 9 km de extensão. Visitantes podem conhecer o primeiro quilômetro a partir da entrada. Belas formações, como terraços cheios de água, cascatas subterrâneas e cursos de água azul-cobalto podem ser vistos na trilha que é bem segura e tranquila de caminhar. Os mais aventureiros podem escolher incluir um caminho um pouco mais complicado e escorregadio e ter a oportunidade de ver a caverna do alto.

Não muito distante de Mine fica Hagi, uma pequena cidade em que se situava a sede de Choshu, o nome dado aos domínios da família Mohri, a principal autoridade em todos os feudos que formam a atual província de Yamaguchi. O castelo da cidade, infelizmente, não chegou aos dias de hoje. Mas a área por ele ocupada ainda é demarcada pelos enormes paredões de pedra que formavam as bases e as defesas da fortificação. Ainda assim, a cidade em si foi bastante preservada e muitas das casas usadas pelos antigos samurais ainda estão de pé. Muitas delas, inclusive, podem ser visitadas.

Espaços sagrados como os templos Tokoji e Daishoin e o santuário Shoin também contam as histórias dos revolucionários que forjaram o fim do regime, incluindo os senhores do clã dominante, que se posicionaram junto ao imperador Meiji. Hagi também é conhecida pela excelência na produção de cerâmica. Uma das características do chamado hagiyaki é que as peças usadas para o serviço do chá vão mudando de cor ao longo do tempo, o que é bem visto dentro da cultura japonesa. Isso ocorre porque o material poroso começa a absorver partículas do chá.

Hagiyaki: cerâmica tradicional (foto: Pixta)

Mais recentemente tornado cartão-postal da província, o Santuário Motonosumi, na cidade de Nagato, fica num pequeno penhasco. Os mais de 100 portais torii fazem um belo contraste com o mar ao fundo, e são responsáveis pela popularidade do local, especialmente nas redes sociais. O espaço foi construído nos anos 1950 por um homem que alega ter visto uma manifestação da raposa branca em seu quarto. Infelizmente, o local é remoto e o acesso de transporte público, inexistente.

Shimonoseki, por sua vez, fica na ponta mais ocidental da ilha de Honshu, separada da ilha vizinha de Kyushu pelo estreito que dá nome à localidade. Pela localização estratégica, Shimonoseki foi alvo de bombardeios por, pelo menos, três vezes na história. No século 12, durante as Guerras Genpei e no século 19, no limiar do xogunato. Além da importância histórica e geográfica, Shimonoseki é conhecida pela pesca. O venenoso baiacu, conhecido como fugu em japonês, é uma iguaria local, e um dos locais para prová-lo é o Mercado de Karato.

Baiacu: iguaria do Mercado de Karato (foto: Pixta)

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