Uma viagem dourada pela província de Ishikawa

Acessível com o trem-bala Shinkansen, a província entrou na lista dos lugares a serem visitados pelos turistas estrangeiros

Leitura obrigatória

Roberto Maxwell
Roberto Maxwellhttp://www.tokyoaijo.com
Radicado no Japão desde 2005, atua como produtor de conteúdo multimídia e acumula trabalhos como repórter, documentarista, produtor e palestrante. Apaixonado por viagens, dedica-se a percorrer o arquipélago e registrar suas maravilhas e contradições.

Localizada na costa banhada pelo Mar do Japão, a província de Ishikawa é uma das gemas do turismo japonês que vem sendo redescoberta nos últimos anos. Tudo isso graças à chegada do Hokuriku Shinkansen, que criou uma ligação direta entre Tóquio e Kanazawa, a capital da província. Antes disso, o modo mais rápido de se chegar na região era através de Osaka e Kyoto, no expresso limitado Thunderbird, ainda em funcionamento.

Com uma paisagem histórica muito bem preservada, a Kanazawa é o ponto de partida para uma viagem que envolve história, belezas naturais, artesanato de altíssima qualidade e muitos banhos de águas termais. Embarque conosco nesta viagem por Ishikawa.

Higashi-chaya, uma das mais belas áreas históricas preservadas da capital de Ishikawa
Higashi-chaya, uma das mais belas áreas históricas preservadas da capital de Ishikawa (foto: Pixta)

Vida na capital

Kanazawa é uma das maiores e mais conhecidas cidades da costa do Mar do Japão. De grande importância, a capital de Ishikawa tem uma história peculiar. Seu nome significa, literalmente, “pântano de ouro”. Diz a lenda que um homem que sobrevivia cavando terrenos atrás de batatas para comer encontrou, na área em que hoje fica o Jardim Kenroku, veios de ouro. No parque, há um poço que rememora a história.

O ajuntamento urbano que deu origem à cidade foi iniciado durante o Período Muromachi (1336 a 1573), quando um grupo de rebeldes associados a uma nova escola budista tomou o poder na região e estabeleceu o que ficou conhecido como “Reino dos Camponeses”. Para se defender das forças contrárias, o grupo estabeleceu um castelo numa área montanhosa entre dois rios, onde ficava um templo conhecido como Kanazawa Gobo. Foi essa fortificação que deu origem ao Castelo de Kanazawa, que foi parcialmente reconstruído e é um dos principais pontos turísticos da cidade. Poupada durante a Segunda Guerra Mundial, a cidade tem diversas áreas históricas em excelentes condições, o que propicia ao viajante uma experiência de imersão no passado.

O ponto turístico mais visitado de Kanazawa é o Kenrokuen, o antigo jardim externo do Castelo de Kanazawa. Considerado um dos três mais belos jardins japoneses do país, o Korakuen foi construído aos poucos ao longo de dois séculos. O nome Kenrokuen se refere às seis características que, dentro da cultura chinesa, todo jardim precisa ter para ser considerado perfeito: espaço, isolamento, artificialidade, antiguidade, água em abundância e vista ampla. Nada disso falta ao Kenrokuen. Aliás, o espaço é habitado por plantas de diferentes espécies que florescem em distintas épocas do ano, formando paisagens peculiares de cada estação. Reserve pelo menos duas horas para conhecer o espaço, seus lagos e casas de chá.

Vista noturna de verão no Kenrokuen
Vista noturna de verão no Kenrokuen (foto: Pixta)

Bem ao lado do Korakuen fica o castelo que foi inicialmente construído pelo clã Maeda, no final do século 16. A fortificação foi destruída algumas vezes ao longo da sua história e o que sobrou foi o portão Ishikawa-mon, o mais próximo do jardim, e alguns armazéns. No entanto, com a ajuda de documentos de época, o castelo vem sendo reconstruído aos poucos. O destaque é o Jardim Gyokuseninmaru, que pode ser visitado gratuitamente.

Outro ponto bastante visitado no entorno do Kenrokuen é o 21st Century Museum of Contemporary Art, um espaço dedicado à arte contemporânea fundado em 2004. É aqui que fica uma das imagens mais compartilhadas de Kanazawa: a obra Swimming Pool, do argentino Leandro Erlich, que, vista de fora, cria a ilusão de que o visitante está sob as águas de uma piscina. O espaço costuma ter exposições temporárias interessantes, além da arquitetura em si que é um marco, mesclando a instituição ao seu entorno.

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Gueixas e samurais

Não muito distante do Korakuen fica uma das principais áreas de preservação histórica da cidade, o distrito de Higashi Chaya. “Chaya” quer dizer “casa de chá” e é o nome dado para os estabelecimentos onde ocorrem os banquetes em que as gueixas se apresentam. Dois desses espaços são abertos à visitação pública. A Casa Shima foi transformada em um museu, em que é possível entender melhor o funcionamento do estabelecimento, além de conhecer um pouco mais do ofício das gueixas, artistas especializadas em receber bem e entreter os convidados. Já a Casa Kaikaro continua em funcionamento e recebe o público para visitas, chás, apresentações de gueixas e banquetes. O espaço tem um site em inglês com a agenda do local.

Outro destaque do bairro é a loja da Hakuza, uma produtora de folhas de ouro, uma das especialidades de Kanazawa. O elegante e minimalista espaço fica numa das casas preservadas, onde foi montada uma casa de chá no seu interior completamente coberta de folhas de ouro. Um encanto!

Outro bairro que vale muito a visita fica há algumas quadras do Kenroku. Nagamachi é um antigo distrito de samurais, também muito bem preservado. Do calçamento até os canais, tudo lembra uma cidade do Período Edo, que foi do século 16 ao 19. No bairro, existem museus e uma casa restaurada aberta ao público que vale a visita, esta que mostra um pouco de como era a vida no local no passado. A Nomurake, por exemplo, é uma antiga residência de uma família samurai. O jardim da casa é um encanto e o interior revela os hábitos e o modo de vida dos seus antigos moradores. Vale a visita.

Nagamachi: o antigo bairro samurai de Kanazawa
Nagamachi: o antigo bairro samurai de Kanazawa (foto: Pixta)

Península isolada

Um dos segredos de viagem mais bem guardados de Ishikawa é a Península de Noto, no norte da província. Com uma costa de cerca de 100 quilômetros de extensão, a isolada península dificilmente pode ser explorada de transporte público, um desafio — e um incentivo — a mais para turistas que gostam de sair da rota. Embora montanhosa, a região é muito procurada por quem pedala, por exemplo.

O cartão-postal da região é o Shiroyone Senmaida, que são terraços de plantação de arroz, uma forma antiga de produzir o cereal em áreas mais montanhosas do país. São cerca de 2 mil pequenos lotes que ficam na encosta, à beira da rodovia principal, com vista para o mar. Entre os meses de outubro e março, os terraços recebem iluminação especial noturna. Já no verão, o lance é ver o sol refletindo na água dos campos de arroz no final da tarde.

A cidade mais próxima do Shiroyone Senmaida é Wajima, com uma história de mais de cinco séculos na produção de laqueados. Uma das atrações mais conhecidas da localidade é o Mercado Matutino, que funciona todos os dias das 8 da manhã ao meio-dia. Com um milênio de história, o mercado comercializa os produtos da região como frutos do mar e as famosas peças laqueadas. A cidade tem ainda o Kiriko Hall, um espaço de exibição dedicado aos andores iluminados usados nos festivais da região que rolam no verão e no outono.

Outro local que vale a visita na península é Wakura, uma estância de águas termais à beira-mar, repleta de hospedagens tradicionais do tipo ryokan. Nestes locais, é possível entrar nos famosos banhos públicos e conhecer o melhor do omotenashi, a hospitalidade japonesa.

Pôr do sol no Shiroyone Senmaida
Pôr do sol no Shiroyone Senmaida (foto: Pixta)

Relaxando no sul de Ishikawa

Outra área popular para os amantes de banhos de águas termais é o sul da província, na área conhecida como Kaga Onsen. São quatro pequenas localidades que oferecem as opções de banho nos ryokan ou, ainda, nos soyu, os banhos comunitários que são um dos centros da vida em comunidade. Os soyu são uma herança da época em que as hospedagens não poderiam ter banhos próprios. Assim, todos os visitantes tinham que frequentar os banhos comunitários, juntamente com os locais. A experiência é possível até os dias de hoje.

Em Yamashiro Onsen, por exemplo, há dois soyu: o novo e o antigo. Ambos os prédios são obras da primeira década do século 21. Porém, os espaços são bem diferentes. O Soyu é uma construção de madeira com ares contemporâneos e muito procurada pelos locais. Já o Ko-soyu é a reconstrução do antigo banho, da forma que ele existiu no final do século 19 e é uma experiência de imersão de época.

Já Yamanaka Onsen está na lista das três melhores estâncias de águas termais do poeta de haiku (haicai) Matsuo Basho, juntamente com Arima (em Hyogo) e Kusatsu (em Gunma). O banho comunitário de Yamanaka se chama Kikunoyu e é dividido em dois prédios, um para o sexo masculino e outro para o feminino.

Banho comunitário Kikunoyu, em Yamanaka Onsen
Banho comunitário Kikunoyu, em Yamanaka Onsen (foto: Pixta)

 

Katamayazu Onsen é uma estância construída à beira de uma lagoa que se diz mudar de cor por sete vezes ao longo do ano. O soyu da localidade fica num prédio super moderno, revestido com vidro. São dois banhos, um com vista para o lago e outro para um bosque. Cada banho é dedicado a um gênero num sistema de rotatividade: um dia o banho do lago pode ser usado por homens e o do bosque por mulheres, trocando no dia seguinte.

Por fim, Awazu Onsen tem um soyu simples, mas bem charmoso. Na localidade, que é conhecida como estância de águas termais há 1300 anos, o destaque é o Hoshi Ryokan, considerado por muitos anos o hotel — e o empreendimento — mais antigo do mundo ainda em atividade. Fundada no ano de 718, a companhia acabou perdendo o posto depois que outras pesquisas revelaram hotéis e empresas mais antigos do que ela. No entanto, o espaço, que é administrado pela 46ª geração da família Hoshi é uma referência em omotenashi, a hospitalidade japonesa.

A região das quatro pequenas estâncias de águas termais fica próxima do Monte Hakusan, considerado uma das três principais montanhas sagradas do Japão, junto com os montes Fuji (em Yamanashi) e Tateyama (em Toyama). O local é um popular ponto de atividades ao ar livre, como hiking e paraglider. Com o pico localizado a 2702 metros de altitude, numa região de neve pesada, o Monte Hakusan costuma ficar coberto de neve por cerca de seis meses. A temporada de acesso começa em julho e vai até outubro.

A rota mais popular é a Bettodeai, cujo trajeto de ida e volta, entre a base e o topo, pode levar cerca de 8 horas. No entanto, como o transporte público é limitado, quem pretende fazer tudo em um só dia e retornar à cidade deve ir de carro. A trilha se divide em duas partes a partir de determinado ponto, cada uma com características próprias. A Sabo é menos íngreme e, por isso, escolhida por muitos durante a subida. Já a Kanko tem belas vistas, especialmente na rota de descida. Nas duas rotas existem pequenas hospedarias para quem pretende passar a noite no local. No entanto, como a montanha é bastante concorrida, é bom reservar com antecedência. A vila mais próxima do início da trilha é Shiramine Onsen, uma pequena estância de águas termais com hotéis, ryokans e pousadas.

Midorigaike, um pequeno lago de cratera no Monte Hakusan
Midorigaike, um pequeno lago de cratera no Monte Hakusan (foto: Pixta)
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