Foi amanhecendo em uma festa de brasileiros nas montanhas que eu enxerguei estes corpos. Apesar de tudo, na essência, uma raiz comum.
Descendentes ou não, vivemos neste país. Deixamos uma vida, cada um numa idade, numa fase. Cada um veio de um Brasil, de uma região, uma condição. Fora o português, muito pouco em comum. Pra mim é engraçado tantos tipos de paulistas juntos, por exemplo. Vários sotaques e gírias brasileiras que se mesclam com trejeitos e palavras japonesas, sai tudo misturado e viramos nós, a comunidade brasileira do Japão.
O Brasil é um país que não se construiu com uma identidade forte, que não sabe sua história, não sabe nem o que valorizar de si. Uma existência com esse pilar do pertencimento instável, tipo palanque no banhado. Já é difícil tentar entendê-lo estando nele, aqui do outro lado então! O que chega em cada um da cultura brasileira, seja pelo poder do algoritmo ou pelo pouco que resta do elo com seu pedaço de Brasil, se mistura com o que o Japão proporciona e assim se compõe o jeitinho “brais” de ser.
Oportunidades, segurança, são tantos os motivos que os trouxeram. Tem gente que veio criança, mal lembra. Outros chegaram adolescentes, tudo desperiodizado, a decisão dos pais pela escola japonesa ou brasileira. Hoje tem até os filhos dos primeiros dekasseguis que já nasceram aqui.
Às vezes, fugas pessoais, famílias disfuncionais, olhares julgadores, o sentir não se encaixar e vir buscar, intenções inconscientes. Cada um colocou suas razões na mala e veio enfrentar a raça que é a adaptação, sem noção de como seria, dos danos que se causaria. Muitos se sentindo abandonados dentro de sua história abandonam o Brasil.
Um choque na vida que pode estilhaçar por dentro. Identidade fragmentada. Um sentimento lá no fundo de não ser nem cá nem lá, meio síndrome do vira-lata. No ar, uma carência sedenta generalizada que norteia. Como que se encontra? Como que se sente parte? Como que se ama?
O que resta é juntar os cacos e se colar, preencher as lacunas, tipo um kintsugi da alma, que é a técnica de restauração nas cerâmicas… e quem não tem, né? Uns cantinhos que precisam de uns remendos para se fazer mais forte e único, transformado e valorizado, ainda mais belo…
E assim seguimos… no fluxo do Nihon. Salve!
Camila Massuda CRP 08/20845