Maior cidade da província de Shizuoka, Hamamatsu não é desconhecida pelos brasileiros que vivem no Japão. Dificilmente há alguém na nossa comunidade que não relacione “Hama” ao que ficou conhecido como “Movimento Dekassegui”, a imigração pendular de descendentes de japoneses entre o Brasil e o Japão. “Com a mudança da Lei de Imigração há mais de 30 anos, muitos nikkeis brasileiros vieram para Hamamatsu”, relembra Yasutomo Suzuki, prefeito do município de mais de 800 mil habitantes, que hoje acolhe quase 10 mil brasileiros, “muitos dos quais têm visto de residência permanente”, como lembra o alcaide, apontando a mudança que se desenhou na última década na imigração brasileira ao Japão.
Parte de uma importante zona industrial do país, que engloba ainda cidades próximas como Iwata, Fukuroi, Kosai e Toyohashi, Hamamatsu também é o nascedouro de grandes companhias como a Honda, a Suzuki e a Yamaha, cujos nomes e marcas são familiares mesmo para quem nunca pisou no Japão. Esse poder empreendedor e produtivo começou a atrair brasileiros e peruanos de origem japonesa, já no estouro da bolha econômica no país, no final dos anos 1980. No auge, Hamamatsu teve mais de 20 mil imigrantes brasileiros, gente trabalhadora que movimenta a cidade até os dias de hoje, não somente o setor industrial como, também, o de comércio e serviços e o imobiliário.
A Hamamatsu que habita a memória de muitos brasileiros é esta: uma das locomotivas da economia e do desenvolvimento do país. Mas os moradores locais também têm acesso a uma cidade cheia de belezas naturais, parques, monumentos históricos, praias e rica gastronomia. Essa Hamamatsu turística é algo que muitos dos nossos compatriotas de outras regiões — e de fora do Japão — simplesmente desconhecem. Por isso, nesta edição do GUIA JP, a gente leva você para fazer uma viagem com os cinco sentidos por essa cidade de grande significado para a comunidade brasileira no Japão. Vem com a gente?
Música para os ouvidos
Quem chega e sai da estação de Hamamatsu não consegue deixar de notar a presença de um prédio enorme, que lembra uma gaita. É o Act City, um dos principais pontos de referência da cidade. O formato da construção não é um acaso. Hamamatsu é considerada a “Cidade da Música” no Japão, reconhecimento também dado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desde 2014 através do projeto global Cidades Criativas.
Dentro do processo de desenvolvimento industrial de Hamamatsu, fábricas de instrumentos musicais como a Yamaha, a Roland e a Kawai estão estabelecidas na cidade. Junto com elas, os cidadãos desenvolveram um interesse especial pela música e muito disso se reflete no Museu de Instrumentos Musicais de Hamamatsu, que fica, justamente, dentro do complexo do Act City.
A exposição permanente do museu traz centenas de instrumentos de diversos estilos e de todas as partes do planeta, contando, através das peças, um pouco sobre as inúmeras tradições musicais. O museu também organiza visitas guiadas e uma série de atividades, em especial nos fins de semana, com apresentações e workshops para a criançada.
Quem quiser conhecer melhor a história da Yamaha e o processo de produção de vários instrumentos vai gostar de conhecer o Innovation Road, um espaço de exibição altamente tecnológico na sede da empresa localizada na cidade. A exposição é dividida em três partes, pensadas para estimular a audição, o tato e a visão. A entrada é franca e as visitas precisam ser agendadas pelo site da instituição.
A programação musical de Hamamatsu é agitada. Espaços como as salas de concertos dos Act City e o Create Hamamatsu estão sempre trazendo artistas nacionais e internacionais, em especial no campo da música clássica. Além disso, o Consulado-geral de Hamamatsu criou uma série de eventos de música popular brasileira com o nome de Bossa Brasil. Os shows são temáticos e são divulgados pelas redes oficiais do consulado.
Um pouco de história
Localizado bem perto da prefeitura e do consulado, o Castelo de Hamamatsu é o ponto turístico mais conhecido da cidade. Provavelmente fundada no início do século 16, a fortificação era chamada inicialmente de Castelo de Hikuma. A construção tem importância histórica por ter sido a residência do unificador do Japão, Tokugawa Ieyasu, no começo de sua carreira como senhor feudal. Após vencer o clã Imagawa, Ieyasu se transferiu de Okazaki, na província vizinha de Aichi, para Hamamatsu de onde, de acordo com os registros, sonhava em conquistar o mundo.
O prédio atual é uma réplica do castelo que tinha sido levantado em 1570, quando Ieyasu ocupou o lugar. Hamamatsu foi uma das cidades mais bombardeadas durante a Segunda Guerra Mundial, e o castelo é uma das construções mais atingidas. Na versão atual, a fortificação ganhou um museu através do qual é possível saber mais sobre a história da construção e de seu mais ilustre morador. Além disso, a área ocupada pelo castelo fica dentro de um parque que se transformou num dos principais pontos de observação das cerejeiras em flor na cidade.
Já nas montanhas, bem no norte da cidade, fica o pouco conhecido Castelo de Takane. Datada da primeira metade do século 15, a fortificação fica bem perto da fronteira entre as províncias de Shizuoka e Nagano, na linha Iida da JR, com acesso a partir de Toyohashi. Controlado pelo clã Takeda em praticamente toda a sua história, sua posição estratégica nas montanhas era ambicionada por muitos senhores feudais. Em 1580, a família Takeda acabou derrotada pelas forças de Tokugawa Ieyasu e o castelo foi abandonado. O acesso ao castelo é feito por trilhas bem abertas nas montanhas.
À beira do lago
No oeste de Hamamatsu, fica um dos mais belos e recortados lagos do Japão, o Hamanako. Ao longo de suas margens, estão localizados hotéis, pousadas, ryokans e inúmeros restaurantes que, juntamente com as pequenas marinas, atraem visitantes de toda a região.
A área com maior número de atrações é Kanzanji Onsen, uma pequena estância de águas termais, onde se pode, também, conhecer um pouco da cultura de banhos do Japão. Na localidade, alguns dos hotéis e pousadas com vista para o lago abrem suas termas também para quem não está hospedado por um preço bem bacana. Para economizar, leve uma toalha grande e uma pequena.
Mas antes de relaxar nos banhos termais, vale a pena explorar um pouco a área. O Parque das Flores de Hamamatsu pode ser um bom começo. O jardim botânico conta com cerca de 3 mil variedades de plantas, com espécies florescendo em todas as épocas do ano. Uma grande estufa — conhecida como Palácio de Cristal — e uma fonte com espetáculo de águas ao longo do dia completam a paisagem.
Entre os meses de março e junho, é realizado o Lake Hamanaka Flower Festa. É justamente a época mais colorida do ano, com cerejeiras e tulipas colorindo o início da primavera. As glicínias, que florescem logo depois, formam um túnel púrpura de 150 metros que é muito instagramável. Ameixeiras, rosas, íris, azaleias e hortênsias completam o festival de beleza até o verão.
Pipas no ar
Um dos festivais mais emocionantes do Japão é o Hamamatsu Matsuri. Realizado anualmente entre os dias 3 e 5 de maio, o evento celebra as crianças e ocorre em duas localidades. Na Praia de Nakatajima, as diversas comunidades da cidade se reúnem para uma batalha de pipas, que teve origem em meados do século 16, antes da chegada de Tokugawa Ieyasu à região.
Conta-se que no nascimento do primeiro filho de um dos senhores do antigo Castelo de Hikuma, uma grande pipa foi empinada para celebrar a chegada do rebento. Desde então, a prática foi adotada por várias famílias na região. Com o tempo, o festival foi ganhando corpo e passou a ser realizado na praia. Além disso, as famílias foram substituídas pelas comunidades, que passaram a celebrar juntas o nascimento e o crescimento de seus filhos. Nos dias de hoje, meninos e meninas são celebrados.
Na Praia de Nakatajima, os ventos são fortes e, por isso, a competição se torna ainda mais acirrada. Como as pipas são enormes, maiores que as pessoas, é preciso ter cuidado com as cordas no Japão e com a queda dos objetos. Por isso, usar um capacete é recomendado.
À noite, no centro da cidade, carros ricamente decorados com lanternas desfilam pelas ruas da cidade com pequenas bandas e muita música. São cerca de 104 carros nos desfiles ao longo dos dois dias de festival.
Vistas do alto
A poucas paradas de ônibus do parque fica o Teleférico de Kanzanji, o único do Japão que circula sobre um lago. As cabines conectam a margem do Hamanako ao tipo do Monte Okusa, de onde a vista é ainda mais encantadora. Mesmo lá do alto, a vocação de Hamamatsu para a música soa forte. Aqui fica o Hamanako Orgel Museum, um espaço totalmente dedicado às caixinhas de música. A coleção parece ser infinita e o museu oferece, ainda, workshops de como fazer esses pequenos universos sonoros.
Em uma curta caminhada a partir da estação inferior do teleférico, no alto de uma pequena colina, fica o Kanzanji, um templo budista fundado no início do século 9. Mais popular que o salão principal do espaço é uma capelinha dedicada a Jizo, uma entidade que costuma auxiliar os terrenos a encontrar o caminho para a iluminação. No Kanzanji, Jizo ganhou uma missão especial: ele é o casamenteiro e isso pode ser visto nos ema, as placas volitivas de madeira, que são colocadas em grande quantidade pelos fiéis em busca de matrimônio. No alto da colina fica, também, uma estátua da deusa da misericórdia, Kannon.
Na área, ainda é possível caminhar pela beira do lago e até mesmo pegar uma praia. A Kanzanji Sun Beach costuma ficar lotada durante o verão. As águas tranquilas do lago são excelentes para quem viaja com crianças. Além disso, é possível alugar um caiaque ou mesmo praticar wind surf.
Mas não existe melhor lugar para terminar uma viagem por Hamamatsu do que Bentenjima, na parte sul do Hamanako. Ali, fica uma pequena faixa de areia voltada para a Rota 1 e para o mar. A estreita saída de água forma uma laguna no meio na qual fica o Akadorii, um portal xintoísta vermelho. Conforme o sol se põe e a luz vai sumindo no horizonte, o portal e o sol formam um belo conjunto. Uma imagem inesquecível para uma viagem pelos cinco sentidos neste pedaço de Brasil dentro do Japão.
Gyoza ou enguia?
Hamamatsu é conhecida por duas iguarias bem distintas, que disputam a preferência no paladar de quem visita a cidade. Originário da China, o gyoza lembra um pastel que pode ser frito ou cozido. Servido como prato principal em seu país de origem, o gyoza no Japão é um acompanhamento que vai muito bem com lámen ou outros pratos.
Em “Hama”, o gyoza já é popular desde o início do século 20, bem antes da Segunda Guerra, época em que o prato ficou conhecido em todo o Japão. Por conta do pioneirismo, muitos apontam a cidade como “a capital do gyoza” no país. Aqui, eles costumam ser fritos em frigideiras circulares e recheados, principalmente, com porco, repolho e cebola. O bom gyoza frito precisa ter uma base crocante, o topo macio e o recheio suculento. A Associação do Gyoza de Hamamatsu produziu um “Mapa do Gyoza”, com os restaurantes que oferecem a iguaria. Ele é gratuito e está disponível nos Centros de Informação Turística da cidade.
Conhecida como “unagi” (lê-se ‘unagui’) em japonês, a enguia de água doce é produzida no Hamanako, que há 100 anos é considerado o local de maior produção do peixe no país. O unagi de Hamamatsu é um produto comercializado em todo o país.
Existem dois modos de saborear a iguaria. No estilo de Kanto, região onde fica Tóquio, o peixe é aberto pelas costas, grelhado levemente e, depois, cozido no vapor dentro de uma cesta. O local do corte não é uma coincidência. Abrir um peixe pela barriga lembra o ritual do seppuku, o suicídio ritual cometido pelos antigos guerreiros. Como a área era, no passado, um forte centro militar, é possível que o preparo do peixe trouxesse gatilhos para os antigos samurais e, por isso, o unagi passou a ser aberto pelas costas. Enfim, depois do corte, o peixe é coberto com o tarê, um molho adocicado, e grelhado novamente.
Já no estilo de Kansai, onde fica Osaka e Kyoto, o unagi é cortado aberto pela barriga e, em seguida, colocado em espetos de metal para ser temperado com tarê e grelhado na brasa. Assim, o peixe fica saboroso e levemente crocante, em contraste com o unagi produzido na área da atual capital japonesa, que é macio e úmido.
SERVIÇO
Como chegar?
Hamamatsu é acessível pelas linhas Tokaido e Tokaido Shinkansen da JR.