Zico – O homem que forjou o futebol japonês

Leitura obrigatória

Roberto Maxwell
Roberto Maxwellhttp://www.tokyoaijo.com
Radicado no Japão desde 2005, atua como produtor de conteúdo multimídia e acumula trabalhos como repórter, documentarista, produtor e palestrante. Apaixonado por viagens, dedica-se a percorrer o arquipélago e registrar suas maravilhas e contradições.

Poucos atletas têm a capacidade de se manter do lado certo dos holofotes, mesmo depois de décadas do seu apogeu. A maioria, aliás, simplesmente desaparece, muitos para um merecido descanso depois de anos de serviços prestados ao esporte. Aqueles, porém, que conseguem se manter na mídia, nem sempre estão nas manchetes pelos melhores motivos. Zico, porém, segue uma unanimidade, com sua carreira tão longeva quanto imaculada. Um ídolo mundial cuja aura, no Japão, é ainda mais brilhante. Não são raras as oportunidades que os japoneses associam o Brasil a ele e não é para menos. Zico é um dos pilares da profissionalização do futebol japonês e da sua transformação em uma potência regional no esporte masculino e mundial, eno feminino. No Japão, o Galinho de Quintino, que transformou o Flamengo num dos times mais amados do país, é reconhecido como Soccer no Kami-sama (deus do futebol, em japonês). Ele recebeu a equipe do Guia JP para uma entrevista exclusiva on-line, direto da sede do Kashima Antlers, seu time de coração na Terra do Sol Nascente. Com ele, falamos sobre o Japão, a sua importância no futebol do país, as eleições no Brasil e muito mais. Confira.

GUIA JP – O que te conquistou aqui no Japão?

O que mais me fascina aqui é que tudo é feito no sentido de proteger a vida humana. Andar na rua, o trânsito, as construções: tudo é pensado para dar a maior segurança possível para você viver. Eu acho isso fantástico. Quando eu construí, em 1995, meu centro de futebol, procurei conhecer aqui tudo que era feito paraevitar acidentes. Graças a Deus são 27 anos e zero problemas. Eu fico muito feliz com isso. Vejo preocupação, às vezes até excessiva, mas necessária, em relação à segurança nos transportes, no dia a dia… Para mim, a preservação da vida do ser humano sempre foi a coisa mais importante. Vim para cá quando tinha quase 40 anos [ele está prestes a fazer 70] e a gente aprende ainda mais coisas aqui.

Gosto muito da gastronomia. O teppanyaki não tem igual no mundo. É fantástico. Também gosto de shabu-shabu. Por ser filho de português, adoro sopa. As sopas japonesas também são maravilhosas.
 
GUIA JP – Você falou agora da escolinha no Brasil. E como está aqui no Japão?
Sempre tive um desejo grande de fazer uma escola de futebol no Japão. Nesses anos todos em que eu tenho vindo aqui, acredito que tenha dado aula de futebol para mais de 50 mil crianças japonesas. Todo ano são diversas clínicas com 100, 200 crianças. Muitas delas se tornaram profissionais, jogando até aqui no Kashima. Sempre tem um que diz: “Olha, fiza clínica de futebol naquela cidade”. Isso é muito gratificante. Aqui tinha um problema sério. O regulamento da J-League diz que o profissional registrado de futebol não pode ter escola de futebol nas regiões que tenham um time de elite. Como foi criada a primeira, a segunda, a terceira divisão, tudo quanto é cidade do Japão tem time. Como eu me desliguei aqui do futebol do Kashima no ano passado, e hoje estou só como conselheiro, pude abrir a escola em Imizu, Toyama, que foi a primeira. A Lucilene [Yuzawa, administradora da escola] teve muita importância nisso. Ela fez uma divulgação maravilhosa, seja com a imprensa japonesa, seja com a imprensa brasileira. Todos deram muita cobertura, coisa que já não teve em Okinawa. Lá eles já tinham a escola, que mudou de nome. Estou sendo procurado por diversas cidades para também montar uma escola. Então, estou feliz.
 
GUIA JP – O senhor teve e ainda tem um impacto muito grande no futebol japonês. Como o senhor vê isso?

Quando cheguei aqui, não estava preocupado emser destaque jogando futebol porque não precisava mais disso. Inclusive,quando eu vim falei para eles: “Estãovendo a vida que eu levo aqui? Não tenho mais nada a almejar no futebol. Então, se vocês quiserem me levar, quero ter uma vida em que possa dar seguimento a tudo o que construí durante esses 35 anos de futebol”. Assinei contrato depois que tive o problema no joelho. Aliás, parei por causa disso. Joelho, muitas lesões musculares… Isso reflete em tudo. É igual a um carro. Você tá com o amortecedor ruim, aí o pneu fica careca, a direção dá problema, uma coisa vai levando a outra. Mas eu me preparei bem. Sou fominha de futebol. Ainda estava numa condição e não tinha pressão nenhuma de chegar, entrar e jogar bem. A minha preocupação quando eu cheguei era formar os japoneses, mostrar para eles o que é profissionalismo. Não estava preocupado em ser o destaque jogando. Eles já sabiam quem eu era. Estamos dentro de uma cidade pequena. Formei esse time, ajudei na montagem de toda uma infraestrutura do lado de fora: a concentração, o campo, o CT [Centro de Treinamento], o estádio, ou seja, tudo. Falei para eles que se eles quisessem trazer bons jogadores para Kashima, tinham que oferecer o que tem de melhor na estrutura profissional. O time montou um CT que ninguém tinha, montou um estádio maravilhoso para quase 20 mil pessoas, renovou a concentração toda, fez uma coisa maravilhosa. Então, o garoto vinha lá de Shizuoka, ou de qualquer outro lugar, ficava bem e se ligava só em fazer futebol. Como eu já era uma referência, os melhores japoneses dos colegiais começaram a vir para cá porque eu estava aqui. Trouxemos também brasileiros para aquelas posições em que a gente tinha dificuldade de encontrar japoneses. Foram três estrangeiros só. Foi uma geração maravilhosa aqui no Kashima.

GUIAJP – Eu entendo, então, que foi o impacto de criar uma cultura do futebol no Japão.
 Até o relacionamento com torcida, eu mostrava para eles. O treino é 3 horas. Então, ao invés de chegar duas e meia, chegaàs duashorase atende o torcedor, dá autógrafo. No começo, o treino do Kashima tinha dez pessoas. Essas dez foram falando para as outras: “Vai lá em Kashima que o pessoal é legal”. No final, tinha duas mil pessoas assistindo ao treinamento. Teve que fazer segurança, cordinha, aquelacoisa toda. O japonês é muito detalhista e se a coisa dá certo, ele vai atrás, quer saber como é, quer melhorar. É um povo altamente disciplinado, obediente e a minha dificuldade foi mostrar que eles tinham que ter iniciativa, criatividade, não só aquele negócio de fazer o que te dizem para você. E se errar, paciência. Tenta acertar na outra. O medo deerrar deles é um negócio fantástico!Depois que eu parei, ela seguiu em frente. Isso acabou se tornando referência no país inteiro. Como é que um time lá de uma cidade de 40 mil ganha tudo? Que história é essa? Muita gente copiou o que o Kashima estava fazendo.
 
GUIA JP – E como o senhor vê o marketing esportivo da J-League para fora?
É muito restrito, muito restrito e, às vezes, bloqueia muito a atuação dos próprios clubes. Eu tenho sempre tido discussões aqui com o marketing do Kashima nesse sentido.Expliquei para eles que o patrocinador quer mídia, quer aparecer. Quando ele assina um contrato com o Kashima, ele quer aparecer na camisa, no treinamento, nas placas. Ele quer receber a visita dos jogadores. Um jogador pode fazer uma visita, colocar nas redes sociais dele. Não precisa ser garoto-propaganda da marca.O Flamengo tem 10 milhões de seguidores no Instagram. Sabe quantos tem o Kashima que é famoso no Japão inteiro, no Brasil, na Itália? Cento e vinte mil. É muito pouco. Eu queria postar algumacoisa. Não pode, porque determinada coisa a J-League não permite. Hoje em dia o marketing não é tanto na televisão. Hoje o marketing é a rede social. Em 2018, as redes sociais elegeram um Presidente da República no Brasil. Então, temos que atacar nessa área.
 
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GUIA JP -Aliás, falando em Brasil, como é que o senhor avalia o resultado das eleições?
Resultado é resultado. Tem que se respeitar, né? Desde que tenha acontecido àlisura, vamos embora, vamos em frente. Eu sei o que é uma vitória e uma derrota. Então, desde que haja lisura na forma como aconteceu, vamos em frente. A gente daqui de longe não tem como avaliar, mas pelo número de eleitores que votaram, foi uma participação muito grande do povo, dos dois lados. O povo deu uma demonstração de apoio às eleições muito grande. Foi lá e compareceu. Fez o seu dever cívico. O Brasil, infelizmente, ficou muito dividido. Agora, quem ganhou tem que trabalhar e mostrar porque ganhou a confiança de quem votou neles. Isso é importante para o país. Quem venceu que faça o melhor para o país para mostrar àqueles que perderam que está capacitado para estar lá. O que aconteceu no passado não pode se repetir.
 
GUIA JP – Quais as suas expectativas para a Copa do Mundo do Catar?

Primeiro, vou dizer que eu sou totalmente contra essa Copa do Mundo nesse período e no Catar. Acho que deve ter tido mil coisas por trás para a Copa do Mundo ser num país em que ninguém nunca fez nada pelo futebol e que, de repente, ganhou esse privilégio e o mundo inteiro teve que mudar o calendário por causa da competição. Isso é inadmissível, mas como a dona FIFA fala e tem suas situações, vamos torcer pra dar tudo certo.Na questão de tática de jogo, não vai acontecer nada de novo. A Seleção Brasileira é uma forte candidata porque cresceu num momento importante, se rejuvenesceu. Os jovens que tiveram uma oportunidade, principalmente nesse último ano, aproveitaram muito bem. Eles estão muito bem física, técnica e mentalmente. O principal jogador brasileiro, que é o Neymar, atravessa um momento muito bom. Talvez essa seja a primeira Copa do Mundo em que ele vai jogar com 100% de condições. É fundamental ter o melhor jogador no melhor da sua condição física e técnica.Outra seleção que vem crescendo muito desde as categorias de base é a Inglaterra.Foi agora vice-campeã da Europa e, na última Copa, também ficou ali entre os quatro. Foi campeã mundial, sub17, sub20 [ambas em 2017]. Tem uma geração muito boa de jovens, também. Gostaria muito de ver a final Brasil x Inglaterra. Não sei se vai haver a possibilidade. A França é uma ótima seleção, mas parece que está com alguns problemas internos. Alemanha é sempre uma seleção que, independentementeda condição, muitas vezes se transforma. Também é uma seleção jovem. E a Argentina tira dos ombros a questão do Messi jogar. A Argentina ganhou a Copa América com o Messi sendo um bom componente, sendo só a cereja do bolo.O Japão teve uma infelicidade grande ao cair num grupo com Alemanha e Espanha. E, também, a Costa Rica que sempre mostrou, em Copa do Mundo, que não é nenhuma galinha morta. Até falei para o Moriyasu [Hajime, treinador da seleção japonesa] não se deixar levar pelo nome. Não vamos esquecer que o adversário que eles sempre batem, a Coreia do Sul, foi quem eliminou a Alemanha em 2018. Futebol se joga dentro do campo. 

GUIA JP – Que mensagem o senhor deixa para os nossos leitores neste fim de ano?
A vida muitas vezes passa por momentos inesperados. A gente precisa ter uma determinação muito grande para dar a volta por cima. Eu acho que é hora de repensar muitas coisas, aprender com tudo que aconteceu. Muita gente perdeu pessoas importantes das suas famílias. Acho que muitas lições ficaram. Temos que saber aproveitar bem essas lições. Algumas coisas que são simples, pequenas em termos, como a questão da higiene. Não podemos depender só da vacina. A gente tem que fazer a nossa parte, cuidar de nós mesmos e preservar a saúde de quem está do nosso lado. Sigam em frente com força, com capacidade de superação, para poder fazer o que gosta, o que quer fazer. Acredite no próprio potencial, no seu sonho e siga em frente.
 
O J1Talks é um podcast produzido com a perspectiva e insights de empreendedores brasileiros inseridos na comunidade brasileira do Japão
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