Omotenashi – A Arte da Hospitalidade Japonesa

Leitura obrigatória

Roberto Maxwell
Roberto Maxwellhttp://www.tokyoaijo.com
Radicado no Japão desde 2005, atua como produtor de conteúdo multimídia e acumula trabalhos como repórter, documentarista, produtor e palestrante. Apaixonado por viagens, dedica-se a percorrer o arquipélago e registrar suas maravilhas e contradições.

Foi em 2013, quando a apresentadora Christel Takigawa fez a defesa da candidatura japonesa aos Jogos Olímpicos de 2020, que a palavra omotenashi ganhou o mundo. Da noite para o dia, um monte de gente estava querendo saber os significados explícitos e implícitos deste vocábulo de cinco sílabas. Encontrar quem saiba definir exatamente o que é o omotenashi é um desafio mesmo no Japão. Porém, qualquer pessoa pode te enumerar diversos momentos em que sentiu na prática o que isso significa.

Quase sempre traduzido como “hospitalidade japonesa”, o significado da palavra omotenashi é muito mais profundo que isso. Acredita-se que a origem do vocábulo e da ideia que está por trás dele seja a cerimônia do chá, chamada de chadô (lê-se “tcha-dô”), em japonês. Com base nos pensamentos budista e do taoista, essa cerimônia é, na realidade, uma recepção em que a pessoa anfitriã prepara um banquete que começa com o serviço do matchá, o chá verde em pó.

O final do século 16, quando as bases da cerimônia do chá foram criadas, é marcado pelos últimos suspiros do Período Sengoku, um dos mais beligerantes da história do Japão. Foi nesse momento, em que Sen no Ryu, considerado um dos mestres de chá mais influentes da história, também deu as direções para o que entendemos hoje como omotenashi. Foi ele quem definiu que cada cerimônia do chá é uma experiência única, que jamais se repetirá. Portanto, é preciso que todas as pessoas participantes, anfitriãs e convidadas, estejam envolvidas por completo no momento, com sinceridade e honestidade.

Em japonês, isso pode ser definido pela expressão omote-ura nashi que pode ser entendida literalmente como “não haver verso e reverso”. Nas relações humanas, ela pode significar não existir diferença entre conduta e pensamento ou entre o que se sente e o que se demonstra. Simplificada para a palavra omotenashi — nada a esconder — e adequada à atuação da pessoa anfitriã na cerimônia do chá, se tornou a ideia de oferecer o melhor, com verdadeira hospitalidade.

Em outras palavras, é o esforço feito para oferecer uma experiência única e personalizada a quem participa do evento que se reflete na escolha da louça, que é pensada para cada visitante; nos adornos de flores e nas mensagens escolhidas especialmente para aquela ocasião, dentre outros inúmeros detalhes, do preparo à despedida. Diz-se, por isso, que uma cerimônia do chá completa leva meses para ser planejada. Mas, certamente, a imagem mais perfeita para entender o omotenashi na cerimônia do chá é o momento em que a bebida é preparada. O mestre ou a mestra faz cada passo na frente das visitas, da limpeza dos utensílios ao momento em que o matchá está pronto para ser consumido. É assim porque, afinal, não há nada a esconder.

Além disso, tudo é feito com humildade e, ao mesmo tempo, com dignidade. Todo mundo se senta no chão de tatami, no mesmo nível. Quem prepara e oferece o chá e todo o banquete são as pessoas anfitriãs, não a criadagem. (Aliás, serviçais domésticos são raridade no Japão.) Uma pessoa é mestre de chá porque domina todas as técnicas de servir e é admirada por isso.

São esses detalhes históricos e filosóficos que fazem com que o omotenashi diferente da hospitalidade que é comum a todas as culturas do mundo. Uma situação que aconteceu comigo em um hotel de Tóquio ilustra bem essa diferença. Era um dia muito quente e eu entrei no hotel esbaforido. Como é de se esperar, o ar condicionado estava ligado, o que já é um grande alívio. Ao chegar na recepção fui cumprimentado pelo rapaz com muita cortesia, como de praxe. Porém, antes mesmo que eu conseguisse terminar de responder, o moço tinha colocado sobre o balcão uma pequena bandeja prateada com uma toalhinha branca e úmida, bem geladinha, a qual ele me ofereceu para que eu pudesse secar o rosto e aliviar o calor antes mesmo de fazer o check in.

Ter um bom ar condicionado e um funcionário a postos e cortês no atendimento é hospitalidade. Colocar à sua disposição uma toalhinha úmida e geladinha, num dia de calor, antes mesmo que você peça, é omotenashi. Em outras palavras, mais do que receber bem, omotenashi é pensar nas outras pessoas a ponto de se antecipar às suas necessidades. Esse é o diferencial e, podemos assim dizer, a arte da hospitalidade japonesa.

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