SHOCHU do Japão para o mundo

Leitura obrigatória

Fora do Japão, a principal sensação etílico-nipônica é o saquê. O fermentado de arroz saiu das prateleiras dos restaurantes japoneses e passou a ocupar as geladeiras de vinho e cerveja de espaços de gastronomia variadas. (Sim, o saquê tem que ser armazenado em baixa temperatura para ficar bem conservado.) Porém, na Terra do Sol Nascente, o cenário é diferente. Dos chamados kokushu – as bebidas nacionais japonesas, ou seja, o saquê, o shochu e o awamori – os destilados dominam o mercado. O consumo de shochu no país é maior que o de saquê, graças à popularidade do destilado nos izakayas, os botecos locais, e novos caminhos estão se abrindo. Cada vez mais bares ocidentais estão levando os destilados japoneses para suas cartas, em muitos casos dentro de coquetéis. Com teor alcoólico mais baixo do que outros destilados, o shochu – e seu mano mais velho, o awamori – estão se preparando para voar tão alto quanto o ancestral saquê. E o Brasil tem sido um dos cenários com mais potencial de isso acontecer. Nesta edição, o GUIA JP te leva para uma viagem no universo dos destilados nacionais japoneses. Confira.

Quem anda pelos botecos da ilha de Kyushu rapidamente percebe que existe um favorito por aqui. As cartas de bebidas são variadas, mas a única coisa que não pode faltar de maneira nenhuma é o shochu. Nas sete províncias da ilha, em especial as do sul, quase não há fábricas de saquê. Nos últimos cinco séculos, quem domina é o shochu. 

A razão é simples. O saquê é um fermentado de arroz que usa o koji e leveduras em sua produção. Fungos são extremamente sensíveis ao calor. No calor, eles costumam se reproduzir rapidamente, o que pode detonar o mosto – a massa de fermentação. Por isso, o saquê costuma ser produzido somente no inverno e em regiões de temperaturas mais amenas.

No século 16, as técnicas de destilação se difundiram na ilha de Kyushu, muito provavelmente vindas do Oriente Médio através da Península da Coreia e de Okinawa, onde já se produzia o awamori, também feito de arroz. Assim, o saquê de não tão boa qualidade produzido nas áreas quentes poderia passar pelo processo de “purificação por fogo”, garantindo também a preservação da bebida e, claro, uma maior concentração de álcool. Em termos de comparação, o saquê tem, em média, 13% de teor alcoólico. O shochu costuma ter 25 e o awamori passa fácil de 30.

 

Diversidade

Kyushu se tornou o reino do shochu também por um outro motivo. A ilha tem uma variedade grande de solos que permite a produção de diversos tipos de produtos agrícolas, em especial cereais e tubérculos. Além disso, Kyushu foi a ponta de lança dos contatos do Japão com o restante da Ásia e com a Europa. Através da ilha, muitas culturas agrícolas foram introduzidas no arquipélago. A variedade de matérias-primas, em especial nas épocas de carência de arroz, foi aguçando a criatividade dos produtores de bebidas alcoólicas.

“O shochu é a bebida destilada mais diversa que existe”, explica Chris Pellegrini, um dos mais conhecidos especialistas em destilados japoneses, autor do primeiro livro dedicado à bebida em língua estrangeira. “São 54 matérias-primas autorizadas pelo governo japonês para a produção da bebida”, prossegue ele. Batata-doce, cevada, arroz, borra de saquê, trigo sarraceno e até mesmo açúcar mascavo estão entre elas.

A diversidade se torna ainda mais importante porque o shochu é destilado somente uma vez. Isso quer dizer que os aromas e sabores do ingrediente principal ficam preservados, o que difere a bebida japonesa dos destilados de outras culturas. “O shochu de cevada tem gosto e aroma de cevada”, reforça Pellegrini.

 

À mesa

Enquanto os saquês são preferidos quando o assunto é alta gastronomia, o shochu ainda anda relegado aos espaços menos formais, como os izakaya. Não é justo. Leve e quase sempre balanceado, o destilado é fácil de harmonizar com comidas de todo o mundo.

A forma mais popular de consumir o shochu é com petiscos. Neste caso, ele pode ser servido puro ou diluído, esta última versão mais comum. Mizuwari é a forma de beber o shochu com água. A proporção varia de acordo com o rótulo e o gosto de quem bebe. Mas, em geral, 6 partes de shochu para 4 de água é o mais comum.

Outra forma de consumir a bebida é temperar com gelo. Diferente da água, que entra direto e na temperatura ambiente, o gelo vai derretendo aos poucos, alterando levemente o sabor. Frio, o shochu fica refrescante e mais leve.

O yuwari é uma forma de consumir o destilado com água quente. No Japão, é comum tomar bebidas alcoólicas em alta temperatura. Neste caso, existem diversas faixas de temperatura, cada uma delas trazendo sabores e aromas distintos. Não existe uma regra que atenda a todos os tipos de shochu e testar é sempre a melhor forma de descobrir a temperatura ideal para a bebida.

O uso do shochu em coquetéis autorais é recente. (foto: Denise Szabó/The Shochu Academy Brasil)

Bons drinques

É nas taças dos coquetéis que o shochu está sendo apresentado ao mundo. Para muitos bartenders, o destilado japonês é o queridinho da vez no universo altamente concorrido da coquetelaria.

Diferente do que ocorre com bases mais clássicas, como a vodka que é neutra, o shochu é aromático e tem notas de sabor pronunciadas. Isso é um desafio para quem produz coquetéis. A dificuldade, porém, não tem impedido as criações dos mixologistas.

Em São Paulo, por exemplo, cidade com uma enorme comunidade japonesa, o shochu não é totalmente desconhecido. Bares de diferentes perfis adicionaram o shochu em suas criações com resultados distintos. No lado clássico, o The Punch Bar tem o Kurobune, que promove o encontro do destilado japonês com o bourbon, um whisky norte-americano. Profundo no sabor, o coquetel remonta o encontro entre as culturas do Japão e dos Estados Unidos no século 19. Numa pegada mais jovem, o Koya88 é um bar com influência asiática e um de seus drinques mais populares é uma versão do chuhai – um highball de shochu – com matchá. Refrescante, a bebida se adequa perfeitamente ao calor do verão brasileiro.

Drinque do The Punch Bar de São Paulo promove o encontro entre as tradições japonesas e norte-americanas. (foto: Denise Szabó/The Shochu Academy Brasil)

De volta à Tóquio, os bares de coquetelaria ainda engatinham na introdução do shochu nos produtos dos seus menus. Isso não quer dizer que eles estejam parados. O Folklore, mais novo membro de um bem-sucedido grupo especializado em bares na capital japonesa, decidiu dedicar seu cardápio a coquetéis com saquê e shochu. Variada, a carta de drinques traz o destilado em diversas expressões e faz brilhar ainda mais esta que é a bebida tradicional japonesa mais consumida na Terra do Sol Nascente.

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