SHIGA
Texto: Roberto Maxwell
Shiga, uma das províncias de Kansai mais tranquilas para visitar. Nesta edição, o Guia JP vai te deixar com dicas diversas para você conhecer e se apaixonar por esse destino ainda inexplorado. Vem com a gente!
À beira do lago
Nenhum lugar é mais representativo para começar um passeio por Shiga que o Lago Biwa. Com 670,4 km², ele ocupa cerca de ⅙ da área da província. Ou seja, é onipresente. Considerado um dos lagos mais antigos do mundo, o Biwa tem pelo menos uns 4 milhões de anos. Tempo suficiente para que se desenvolvesse uma enorme biodiversidade. Estudiosos contam pelo menos 1000 espécies de seres vivos vivendo no lago, 60 das quais são endêmicas, ou seja, só existem ali.
Seja como fonte de alimentos, seja como meio de circulação, o Biwa vem atraindo humanos por milênios. No lago foi encontrado um sítio arqueológico submerso com mais de 9 mil anos de idade. Neste sítio, os pesquisadores tiveram acesso ao modo de vida do povo Jomon que habitou o Japão entre os anos 14000 e 300 a.C.
Com tanta história, o lago oferece inúmeras oportunidades de passeio para quem deseja compreender e vivenciar a espiritualidade japonesa, conhecer o estilo de vida que se construiu ao seu redor ou simplesmente observar a natureza. Um dos passeios mais atraentes é em Chikubu, uma pequena ilha de cerca de 2 km de circunferência localizada na porção norte do lago.
Desde tempos antigos, a ilha vem sendo retratada como um lugar envolto numa atmosfera misteriosa. É assim que ela aparece, por exemplo, no Heike Monogatari — uma coletânea de contos compilada no século 14 sobre as disputas entre os clãs Taira e Minamoto pelo controle do país. Ao longo da história, Chikubu vem sendo reverenciada por sua divindade que, segundo a crença, protege os fiéis nas travessias pelas águas. Além disso, a ilha também é reconhecida pela qualidade das águas de seus poços.
Inabitada, Chikubu tem dois espaços sagrados: o Santuário Tsukubusuma, fundado no ano de 420; e o Hogonji, templo budista surgido 304 anos mais tarde. Neste último, fica um portal no estilo karamon que é considerado o único “item arquitetônico” sobrevivente do Castelo de Osaka da época Tokugawa. O acesso à ilha se dá por uma barca que parte de um porto em Nagahama.
O sol enquadrado
Um dos lugares mais instagramáveis de Shiga é o Santuário Shirahige, com o seu portal torii dentro do lago que lembra Miyajima, a ilha sagrada mais conhecida do Japão. “Shirahige” quer dizer “barba branca” e se refere à longevidade, uma das graças que o fiel pode pedir à Sarutahiko Okami, a divindade a quem o santuário é dedicado.
Longevo, no entanto, é o espaço. São cerca de 1900 anos de história, fazendo deste o espaço sagrado mais antigo da província. O portal, mesmo não sendo impressionantemente grande como seu semelhante em Hiroshima, forma uma lindíssima composição com as águas do lago. O destaque fica para o amanhecer, momento no qual o registro do sol nascendo enquadrado no torii não somente vai render chuvas de likes no Instagram como, também, fazer a emoção transbordar.
Não deixe de visitar, também, as 40 Estátuas de Buda de Ukawa que fica a cerca de 500 metros de distância do santuário. Feitas de granito e com cerca de 1,5 m de altura, as estátuas foram construídas na segunda metade da Era Muromachi (1336-1576) como memorial post mortem para a mãe de um senhor feudal da região.
Templo Flutuante
Outra vista do lago que deixa boa impressão nos visitantes é a do Ukimido, uma espécie de capela conhecida como Templo Flutuante. Sua história data do Período Heian (794-1184) quando, do alto do Monte Hiei, um monge conhecido como Genshin viu uma luz emergindo de dentro do Lago Biwa. Ele desceu até o local e, usando uma rede, “pescou” uma imagem dourada de Amitabha, o buda da direção oeste, que purifica a humanidade dos desejos.
Para celebrar a descoberta e guardar a imagem, o monge criou o salão Ukimido, suspenso como uma palafita nas águas do lago. Assim, o local se tornou amado pelos japoneses locais e de outras regiões chegando, inclusive, a aparecer num poema do grande mestre do haiku Matsuo Basho, em que ele descreve uma noite no local. Aliás, o astro que o poeta cita também dá o nome oficial do templo: Mangetsu-ji ou Templo da Lua Cheia.
”Abra a fechadura
Deixe que a lua brilhe
Ukimido”
Matsuo Basho
Ilha de Chikubu (Chikubushima/竹生島)
acesso pelo Porto de Nagahama
Shiga-ken Nagahama-shi Minatocho 4
preço da barca (ida e volta): ¥3070 (adultos), ¥2450 (estudantes), ¥1540 (crianças)
entrada na ilha: ¥400 (adultos), ¥300 (crianças)
https://goo.gl/maps/zE4ECK2GTgKtrvTH7
Santuário Shirahige (Shirahige Jinja/白髭神社)
Shiga-ken Takashima-shi Ukawa 215
entrada franca
https://goo.gl/maps/LWkUeEfEXZ1jjcL18
40 Estátuas de Pedra Buda de Ukawa (鵜川四十八体石仏群)
Shiga-ken Takashima-shi Ukawa 1093
entrada franca
https://goo.gl/maps/F9K4YB1qcoYr2QFK6
Templo Mangetsu-ji/Ukimido (満月寺・浮御堂)
Shiga-ken Otsu-shi Hon-katata 1-16
horário de funcionamento: 8 às 17 horas
entrada: ¥300
https://goo.gl/maps/sgfLZR8dDHgAFaWx9
Caminhos das águas
O Japão é um país estreito, de rios curtos e montanhas altas. São essas elevações que assumem um papel fundamental na preservação da água dentro de Honshu, a principal ilha do arquipélago. Durante o inverno, as regiões mais altas se congelam formando capas de neve que embelezam os picos. O chegar da primavera faz com que esse gelo se derreta aos poucos, dando tempo para a água percolar solo adentro e se acumular. Esse processo enriquece o líquido com minerais e dá origem às fontes que podem virar rios ou alagados. Em Shiga, são as Montanhas de Hira que cumprem o papel nessa cadeia e, por isso, não é incomum encontrar regiões na província onde a água parece jorrar de qualquer canto.
Em janeiro de 2004, o Japão descobriu e se encantou com a pequena Harie e sua “água viva”, shozu em japonês. Localizada na cidade de Takashima, no litoral norte do lago, a vila vive sob um manancial de água que parece sem fim. Diz-se que 3,5 mil toneladas de água brotam das nascentes de Harie, numa temperatura sempre entre 13 e 14 graus.
Nem a abundância faz com que o povo local descuide e desperdice o recurso. A comunidade mantém um sistema de manejo da água existente desde o Período Edo (1603-1868). O líquido é captado em poços, alguns com até 20 metros de profundidade, e encaminhado para o uso dentro das residências. Lá elas são utilizadas num complexo de tanques chamado kabata.
Cada kabata tem três níveis. O moto-ike fica, digamos, no topo e é onde cai a água que vem direto da natureza. Deste nível que se extrai água para beber e cozinhar. Aqui também se coloca bebidas para gelar na água fria ou se mergulham as frutas e verduras para que não percam o frescor. O espaço intermediário é chamado de tsubo-ike. É nele que se enxágua a louça de cozinha. Pratos com restos de comida e panelas usadas para cozinhar, por exemplo, são lavadas sem detergente para que a água não seja contaminada quando descer para o último nível, o hata-ike. Aqui ocorre o mais surpreendente: os moradores criam carpas e outros peixes que se alimentam dos restos de comida da casa, devolvendo para o sistema a água limpa. Deste ponto, o líquido corre diretamente para os inúmeros canais que cortam o bairro e, em seguida, para o Lago Biwa. Tudo é tão amigável ao ambiente que nem mesmo os peixes vivem presos. Como o hata-ike é ligado diretamente aos canais, os animais podem entrar e sair quando quiserem. É um método simples e eficaz de promover o uso consciente da água.
Ver esse sistema em funcionamento é possível, mas com algumas ressalvas. O povo de Harie gosta de deixar claro que sua pequena localidade não é um ponto turístico. Para evitar um fluxo de pessoas que perturbe a vida pacata do bairro, a associação de moradores organiza passeios guiados nos quais visitantes podem conhecer a história de Harie e visitar casas de famílias para ver os kabata em funcionamento. Os passeios são feitos somente em japonês e precisam ser reservados com antecedência. No momento, existem dois roteiros que são feitos por guias voluntários locais.
Harie – A vila da água viva
Associação de Moradores
Shiga-ken Takashima-shi Shinasahicho Harie 372
contato para reserva (em japonês): 0740-25‐6566 ou shozunosato@lapis.plala.or.jp
preço: ¥1000/pessoa (passeio A, de 1 hora e meia), ¥2000/pessoa (passeio C, de 2 horas e meia)
https://goo.gl/maps/E1eSUrtRRWXuRubc7