Conheça a trajetória de Lucilene Yukawa, de dekassegui a empreendedora visionária no Japão

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Natural de Catanduva, São Paulo, Lucilene Yukawa, ex-professora de inglês na sua cidade natal, é hoje uma mulher multifacetada com uma história inspiradora. Mãe de quatro filhos e avó, Lucilene chegou ao Japão há 31 anos, estabelecendo-se no Estado de Toyama.


Como muitos dekaseguis, começou sua trajetória em fábricas de produção, com a perspectiva de trabalhar duro, economizar dinheiro e retornar ao Brasil, mas logo percebeu que queria construir uma vida permanente no Japão, sem estar presa às fábricas de produção:


“Eu queria continuar aqui, mas não queria continuar trabalhando numa fábrica de produção. Não desmerecendo, mas eu achava que poderia fazer algo mais.”, ressalta Lucilene.


Foi em 1990 que a jornada de Lucilene começou, como a de muitos brasileiros: buscando melhores oportunidades econômicas.
“Na época, eu era professora de inglês em um colégio de freiras em Catanduva. Meu marido (descendente de japoneses) e eu vimos o Japão como uma oportunidade para melhorar nossa condição financeira,” lembra.

E como que foi esse início para você aqui? A ideia inicial sempre foi abrir um negócio aqui no Japão?
“Não, na época a intenção era mesmo trabalhar aqui, juntar o dinheirinho e voltar pro Brasil, né? Mas aí eu fui adorando essa cultura”, afirma Lucilene.
E assim deu-se início à sua jornada trabalhando no Japão, primeiro em uma madeireira e depois em uma fábrica de alumínio, onde teve seu primeiro contato com o setor de empreiteiras.


“Foi quando conheci um Tantosha de uma empreiteira que tinha muitos filipinos. Ele não dominava inglês e eu o ajudei na comunicação”, conta Yukawa. Essa experiência despertou nela a paixão pelo empreendedorismo e a vontade de ajudar outros estrangeiros a superar barreiras linguísticas e burocráticas.
Mas foi apenas seis anos depois de trabalho em fábricas que Lucilene começou a vislumbrar a possibilidade de ter seu próprio negócio:


“Eu sou muito comunicativa e sempre quis ajudar. Na época, muitos filipinos tinham dificuldade de se comunicar, e eu via que podia fazer a diferença”, explica. E complementa: “Fui me informando, comecei a estudar, tirando licenças que exigem para você ter uma empreiteira, e foi quando eu falei: Pronto, acho que agora eu posso seguir com minhas próprias pernas, se der errado é por minha culpa, se der certo também por minha culpa”.

Transformando desafios em oportunidades no Japão
No competitivo e tradicional ambiente empresarial japonês, encontrar espaço para inovação e inclusão pode ser um grande desafio, especialmente para estrangeiros, o que não foi diferente na jornada de Lucilene:


“Se aparecesse um carro torto ou riscado no estacionamento, corre lá que foi algum estrangeiro”, relembra Lucilene, no período em que trabalhava em uma grande empreiteira. E foram episódios como este, de preconceito e dificuldades, que a levaram a despertar para o lado empreendedor e buscar formas de deixar o serviço em fábricas.


Determinação foi o motor que impulsionou Lucilene a fundar sua própria empreiteira, mesmo sabendo que não seria um caminho fácil:
“Não é tão romântico como parece”, adverte. “Para abrir a firma, precisei de dinheiro, orientação de um contador e enfrentar vários desafios”, afirma a entrevistada.


Sem recursos financeiros imediatos, Lucilene enfrentou recusas consecutivas nos bancos, que questionavam sua capacidade de sucesso como mulher em um setor dominado por grandes empresas japonesas. Persistente, conseguiu o capital necessário com ajuda da família e finalmente abriu sua empresa, mas a luta estava apenas começando.


A batalha não foi apenas por reconhecimento profissional, mas também por igualdade de oportunidades em um setor dominado por empresas japonesas.
“Tiveram situações de eu agendar uma entrevista, chegar lá, e já perceberem que sou estrangeira só pela pronúncia do meu nome. Isso cria uma barreira inicial”, explica Lucilene.


À medida que sua empresa cresceu e se destacou na região, Lucilene começou a receber reconhecimento e apoio. “Depois que a gente cresceu, que começou a se destacar em várias coisas aqui na região, aí muitos ligaram, queriam fazer empréstimos, mas aí era minha vez de falar ‘não'”, destaca.

Neste modelo de negócio (terceirização de mão de obra) qual o maior desafio atual: Encontrar novas empresas ou trazer mão de obra para estas empresas?
“Hoje está mais difícil essa pecinha da mão de obra chegar até a empresa,” revela Lucilene. Segundo a empreendedora, o maior desafio atual das empreiteiras no Japão é encontrar a mão de obra especializada para as empresas.


Para Lucilene, isso se deve à dificuldade na aceitação de oportunidades para muitos trabalhadores estrangeiros. Yukawa exemplifica: “Eu tinha aula de japonês para os funcionários, mas vinham só uns gatos pingados. Aí, eu abri para o público e pedi para quem viesse que trouxesse um alimento para montar cestas para famílias carentes. Nisso, apareceram muitos de fora e, através dessa boa ação, nossos funcionários também começaram a participar”, relembra.


A resistência a novas oportunidades de capacitação é outro obstáculo que Lucilene observa “Temos um plano de carreira para ajudar na parte da solda, tirar licença de lift, de tamakake, de koren, mas ninguém quer fazer. Infelizmente, as reclamações de falta de hora extra ou excesso de trabalho surgem, mas quando há oportunidades de qualificação, muitos não aproveitam”, relata.

Diversificação de negócios e relações Brasil- Japão


Além de sua principal empresa de recrutamento, que conecta trabalhadores estrangeiros ao mercado japonês, Yukawa diversificou suas atividades empresariais, tanto no Japão quanto no Brasil, criando um ecossistema de negócios que abrange educação, esportes e serviços consulares.

A Yukawa Jinzai, com escritórios em São Paulo e Mato Grosso, está voltada para facilitar a migração de trabalhadores brasileiros para o Japão, especialmente os descendentes. “Nós cuidamos de todo o processo, desde visto, passaporte, elegibilidade até o financiamento de passagem”, explica Yukawa. Esse suporte integral garante que os trabalhadores estejam bem preparados e documentados para iniciar suas jornadas no Japão.


Além da Yukawa Jinzai, Lucilene fundou em 2016 o Yukaia Group, que inclui a Escola de Futebol Zico 10 em Toyama e Hamamatsu. “Começamos em fevereiro e já estamos com tudo em andamento” diz Yukawa, destacando o crescimento contínuo dessa iniciativa esportiva.


Outra vertente do Yukaia Group é a educação a distância (EAD), com programas para ensino médio e fundamental. No entanto, essa área não teve a adesão esperada. “Achei que ia ter muita procura, mas não tem. Mesmo jovens que poderiam concluir o ensino médio não o fazem”, observa Yukawa. A EAD visa oferecer flexibilidade para que os estudantes possam concluir seus estudos, mas a resistência à modalidade ainda é um desafio.


Yukawa também desmitifica a percepção negativa sobre os cursos online, compartilhando uma visão mais moderna e positiva: “Hoje, essa ideia de que cursos online são para quem não quer estudar já caiu por terra. Na verdade, os cursos online desenvolvem muito mais características, como disciplina e determinação, do que muitas vezes a faculdade presencial”.


Além dessas iniciativas, o Yukaia Group oferece serviços consulares e de passagem, facilitando processos burocráticos para os brasileiros no Japão. “Nós orientamos sobre vistos, elegibilidade e outros aspectos consulares, especialmente para aqueles que estão longe de Nagoya e precisam de apoio” comenta Lucilene.

Como começou esse contato com o Zico? Por que uma escola de futebol?
“Meu filho era fanático por futebol, mas as escolas de futebol eram distantes e muitas vezes não tinham professores capacitados, apenas pais brincando com as crianças”, relembra Lucilene.


A oportunidade de fundar a Escola de Futebol Zico 10 surgiu quando ela conheceu os filhos de Zico, Bruno e Thiago, durante uma viagem ao Brasil. “Foi uma conversa que durou três anos, até que o Zico disse que estava liberado para abrir a escola aqui”, conta.


Para Lucilene, a Escola de Futebol Zico 10 não é apenas sobre ensinar técnicas de futebol. O objetivo principal é resgatar crianças que, muitas vezes, estão imersas em telas de telefone e redes sociais, e proporcionar-lhes uma vida mais ativa e social.


“A base é ensinar futebol, mas também formar cidadãos. Queremos que as crianças aprendam a respeitar o próximo… Isso é algo que vão levar para a vida.”

Aberta a toda comunidade, a Escola Zico 10 conta hoje com uma mistura de japoneses, brasileiros, peruanos, paraguaios, dentre outras nacionalidades; porém, Lucilene relembra que o foco não é apenas descobrir talentos: “Não somos uma escola de ‘olheiros’. Nosso objetivo é orientar e formar, não apenas focar em quem tem potencial para ser um grande jogador”, explica Lucilene. A filosofia é que, enquanto nem todos se tornarão jogadores de futebol profissionais, todos podem aprender valiosas lições de vida através do esporte.


O projeto está crescendo rapidamente, com uma nova unidade aberta em Hamamatsu: “Fizemos uma inauguração e já começamos com as aulas desde fevereiro deste ano”, compartilha Lucilene, evidenciando o sucesso inicial e a recepção positiva da comunidade. “O futebol, o esporte em geral, tem o poder de unir as crianças e ensinar-lhes habilidades que vão além do campo.”


A iniciativa da Escola de Futebol Zico 10 é mais do que um negócio; é um projeto de vida que visa fazer uma diferença significativa no futuro das crianças, proporcionando-lhes uma base sólida tanto no esporte quanto na vida.
“O nosso intuito é ensinar através da brincadeira informal, onde as crianças se soltam e desenvolvem suas habilidades”, conclui Lucilene, reforçando a importância de um ambiente lúdico e educativo.


E fora do âmbito esportivo, existem novos projetos focados no auxílio à comunidade?
“Sim. Nós temos um training center onde vamos orientar as pessoas que querem aprender a soldar e ajudá-las a tirar as licenças necessárias”, compartilha Lucilene, sobre o novo projeto ambicioso: um centro de treinamento voltado para qualificação de mão de obra no Japão.


O centro, que já está em funcionamento, visa fornecer tanto conhecimento teórico quanto prático, atendendo às necessidades de diversos perfis de trabalhadores: “Tem pessoas que já têm a licença de solda, mas não têm a experiência. Outros têm a experiência, mas não têm a licença, ou têm experiência no Brasil, mas aqui é totalmente diferente”, explica Yukawa.


Para garantir a melhor formação possível, o centro conta com professores brasileiros e japoneses, proporcionando uma abordagem multicultural que beneficia os alunos.


“O objetivo é criar uma mão de obra mais especializada e qualificada, o que beneficia tanto as empresas quanto os trabalhadores. Para a empresa, adquirir mão de obra qualificada traz tranquilidade, e para o profissional, isso significa receber o valor que realmente merece pela sua qualificação”, conclui a empreendedora.

Tem uma mensagem que você queira deixar para o mercado, para inspirar outras pessoas, empreendedores?
“Foca, corre atrás. Não importa se é mulher, se é homem, isso não importa. O que vale é ter o objetivo e o resto é resto”, finaliza Lucilene.

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