Parte 1
Texto: Roberto Maxwell
Quando, em 11 de março de 2011, a terra tremeu como nunca no litoral da província de Miyagi, pouca gente imaginava que um fantasma que assombrou o Japão seis décadas antes estaria de volta. Pela primeira vez na história, o mundo assistia ao vivo a onda gigante engolfar cidades inteiras na costa nordeste do Japão. Na rota dela, estavam usinas nucleares e uma delas não resistiu ao impacto. A província de Fukushima iria entrar para a história como palco de um dos piores acidentes radioativos da História da humanidade, colocando em xeque a segurança desta tecnologia de produção energética e, principalmente, atingindo milhares de pessoas que viviam no entorno da usina.
Nove anos depois, o nome Fukushima segue associado ao acidente nuclear e a província vive uma espécie de batalha para “limpar” seu nome e reputação. Estendendo-se do mar até as montanhas, Fukushima sempre atraiu visitantes interessados em suas estâncias de águas termais, pontos de importância histórica e gastronomia rica em pescado, vegetais frescos e saquê. Depois do impacto e da desinformação inicial, aos poucos, turistas vão voltando a frequentar e a desfrutar do melhor que Fukushima tem a oferecer. Esse retorno à normalidade ocorre em boa parte da província e tem sido muito benéfico na recuperação das cidades, muitas delas atingidas fortemente não pelo tsunami ou pela radiação, mas sim, pelo medo e pela falta de informação.
Nesta edição, o GUIA JP traz algumas dicas imperdíveis para você curtir Fukushima e aprender mais sobre a situação atual na província. Vamos nessa?
Durante muito tempo, áreas que hoje fazem parte da província de Fukushima eram consideradas o limite entre o “Japão civilizado” e os povos “bárbaros” do norte. Essa posição estratégica garantiu que, mesmo após a absorção dos territórios setentrionais do país, a região se tornasse estratégica. Durante o longo período feudal pelo qual o país passou, isso quis dizer a construção de castelos.

Um dos mais belos exemplares deste tipo de construção na província de Fukushima é o Tsurugajo, cuja primeira construção data do ano de 1384. Na época, ele era chamado de Castelo Kurokawa e se tornou o centro político, administrativo e militar da região de Aizu até o ano de 1868, quando o imperador Meiji deu fim ao xogunato Tokugawa. Durante sua existência enquanto base militar, o castelo passou pelas mãos de diversos senhores, um deles sendo Date Masamune, reconhecido como um dos maiores guerreiros da região de Tohoku. Somente em 1592 que, através das ordens do senhor feudal Gamo Ujisato, o castelo ganhou o formato que conhecemos nos dias de hoje. O nome Tsurugajo pode ser traduzido como “castelo do grou” por causa da imponência com elegância que lembra a da ave que lhe dá o nome, um símbolo de longevidade dentre os japoneses.
Um dos últimos bastiões da resistência contra o retorno do imperador ao poder, o castelo terminou abandonado com o fim do novo regime. Foi somente nos anos 1960 que a comunidade local começou a reconstrução do espaço. Apesar do prédio atual ser uma réplica em concreto do antigo castelo de madeira, alguns espaços foram preservados, em especial nas fundações, levando quem visita o local a entender as mudanças ocorridas ao longo da história. Além disso, a completíssima exposição explica como era a vida na região e as tensões políticas que marcaram o passado do Japão.
O parque ao redor do castelo também é um conhecido ponto de apreciação das cerejeiras em flor que chega ao auge no meado de abril. Além disso, uma belíssima casa de chá, a Rinkaku, com um pequeno mas aprazível jardim tradicional. Visitantes podem ver como era o espaço tradicional no qual os antigos senhores feudais tomavam chá. Por um valor adicional, também é possível tomar o matchá com o wagashi, um tipo de confeito tradicional japonês.
Outra opção para conhecer melhor a vida no período medieval japonês é o Aizu Bukeyashiki, a reconstrução de uma antiga residência samurai. O espaço é amplo e nos diversos cômodos da casa existem manequins que representam os personagens que transitavam pela casa na época.

Castelo Tsurugajo (鶴ヶ城) e Casa de chá Rinkaku (茶室麟閣)
Fukushima-ken Aizuwakamatsu-shi Otemachi 1-1
horário de funcionamento: 8:30 às 17 horas
entrada: ¥410 (somente o castelo), ¥520 (castelo + casa de chá)
https://goo.gl/maps/ourdVg34sT6udgBo7
Aizu Bukeyashiki (会津武家屋敷)
Fukushima-ken Aizuwakamatsu-shi Higashiyamamachi Oaza Ishiyama Innai 1
horário de funcionamento: 8:30 às 17 horas
entrada: ¥850 (adultos), ¥550 (estudantes do segundo segmento do ensino fundamental), ¥450 (estudantes do primeiro segmento do ensino fundamental)
https://goo.gl/maps/heZkafpxpDDJjhMP6
Lámen no café da manhã
São sete horas da manhã e as portas do Makoto Shokudo já estão abertas. Aqui se serve como prato principal o lámen, um prato amado pelos japoneses e que virou a mais nova sensação da gastronomia nipônica no exterior. Poderia ser uma situação rara ter um restaurante de lámen funcionando tão cedo se nós não estivéssemos em Kitakata. Aqui, o saboroso macarrão ensopado é prato para quem levanta cedo.

Kitakata era, até umas décadas atrás, uma cidade de vocação industrial. Operárias e operários se revezavam nas diversas fábricas da localidade, que funcionavam dia e noite. Depois de uma intensa noite de labuta, muita gente passou a sair das fábricas com muita fome e pouca paciência para esperar um longo tempo de preparo para comer. Rápido, barato e com muita sustança, o lámen passou a ser a opção. A ideia pegou rapidamente e se espalhou entre as pessoas que trabalhavam no turno da manhã. Assim surgiu o asa ramen (lê-se ‘assaramen’), asará para os íntimos.
Mas não é só este costume que torna o lámen de Kitakata especial. A receita, também, é uma peculiaridade. A massa, mais grossa que o convencional, ganhou a classificação de “hirauchi jukusei taka suimen”, algo como “massa achatada maturada com alto teor de água”. Como consequência do seu formato e processo de produção, o macarrão fica macio e encaracolado e combina bem com todo tipo de sopa. Porém, se estamos em Kitakata, é bem provável que esse caldo tenha como base o molho de soja shoyu. Com tantas peculiaridades, o lámen de Kitakata virou uma marca que se consolidou em todo o país como um dos mais deliciosos do país.
Com uma população de apenas 50 mil habitantes, Kitakata tem mais de 100 restaurantes que servem lámen e isso faz com que a cidade tenha o maior número desse tipo de estabelecimento per capita no país. Sendo assim, é difícil escolher o melhor lugar para se comer. Um dos favoritos de locais e visitantes é o Makoto Shokudo. Rika Sato é uma senhora que aparenta ter seus 40 anos de idade. É ela quem capitaneia a cozinha do já tradicional restaurante, fundado por sua bisavó. “Ela perdeu o marido na época da guerra e tentou vários negócios antes desse”, conta. “Minha bisavó soube que o lámen estava fazendo sucesso em Tóquio e achou que um restaurante desses poderia ser bem sucedido aqui também”, completa Rika.
A aposta deu certo. Mesmo num dia frio de começo de inverno, o Makoto está cheio e não para de entrar novos clientes, gente da cidade e gente que vem de fora somente para sentir como é tomar um lámen no café da manhã. Apesar do tamanho da tigela, este repórter sai do restaurante leve e cheio de energia, pronto para conhecer melhor a região.
Makoto Shokudo (まこと食堂)
Fukushima-ken Kitakata-shi Otazukimichishita 7116
horário de funcionamento: não informado
https://goo.gl/maps/dnDSYrbUjLU9Zy7b6
Veja também a segunda parte: https://jpguide.co/fukushima-2/